Paulo escreveu a seu discípulo Timóteo: “Mas você tem seguido de perto o meu ensino, a minha conduta, o meu propósito, a minha fé, a minha paciência, o meu amor, a minha perseverança, as perseguições e os sofrimentos que enfrentei...” (2Tm 3.10,11). Ele prossegue mencionando o sofrimento que experimentou em virtude das perseguições. Aqui, neste breve trecho das Escrituras, encontramos algumas das mais notáveis lições a respeito do discipulado, uma palavra tão em voga na Igreja de hoje, mas muitas vezes tão pouco compreendida, e menos ainda praticada – inclusive por muitas igrejas que afirmam priorizar o discipulado.
A primeira lição extraímos de uma perspectiva global desses versículos: discipulado inclui andar junto. Paulo diz: “Você tem seguido de perto”. Porque Timóteo andou junto com Paulo, ele pôde vivenciar, igualmente, as vitórias, conquistas, sofrimentos e frustrações do Apóstolo. Ele seguiu Paulo de perto, lado a lado, muitas vezes correndo o mesmo risco de perder a vida pelo evangelho. Ele podia representar Paulo junto às igrejas, como seu delegado apostólico, porque conhecia muito bem o Apóstolo dos gentios, pois andava junto com ele, seguia de perto seu árduo trabalho, diariamente, de cidade em cidade, sinagoga em sinagoga, igreja em igreja, observado as ações e reações de Paulo nas mais variadas circunstâncias, diante das mais diversas culturas, frente aos mais diferentes tipos humanos, e participando em suas atividades. Talvez Paulo não fosse um “livro aberto” para Timóteo, mas certamente o jovem discípulo conhecia muito bem o seu discipulador. De fato, Paulo escreveu aos filipenses dizendo que “vocês sabem que Timóteo foi aprovado porque serviu comigo no trabalho do evangelho como um filho ao lado de seu pai” (Fp 2.22), e “Não tenho ninguém que, como ele, tenha interesse sincero no bem-estar de vocês, pois todos buscam os seus próprios interesses, e não os de Jesus Cristo” (Fp 2.20,21). Timóteo, por andar junto com Paulo e servi-lo “como um filho ao lado de seu pai”, havia aprendido a ser um obreiro aprovado, a desenvolver um interesse sincero pelo bem-estar dos outros, a não buscar seus próprios interesses, mas os de Jesus Cristo.
A segunda lição emana de uma análise um pouco mais detalhada da passagem. Paulo afirma que Timóteo seguiu de perto o seu ensino. Ele não somente andou com Paulo, acompanhando “de perto” o Apóstolo, mas igualmente seguiu de perto o seu ensino, isto é, a doutrina pregada por Paulo, o evangelho de Jesus Cristo. E esta é uma parte integrante e essencial do verdadeiro discipulado: a transmissão do ensino bíblico, de conhecimento teológico, da sã doutrina cristã, do evangelho completo. E é justamente aí que falham muitos “discipulados” evangélicos. Porque se discipular alguém é simplesmente “andar junto” com seu discípulo e nada mais, o que estamos fazendo é gerar discípulos nossos – alguém que aprende a emular nossos hábitos, costumes, ideias, conceitos e pré-conceitos. Mas o objetivo do discipulado não é esse, em absoluto. O objetivo do discipulado é fazer discípulos de Cristo. Paulo escreveu aos coríntios: “Tornem-se meus imitadores, como eu o sou de Cristo” (1Co 11.1, ênfase acrescentada). Paulo não fazia discípulos para si e de si mesmo; mas fazia discípulos de Cristo, para Cristo. Ele também disse aos efésios: “Portanto, sejam imitadores de Deus, como filhos amados” (Ef 5.1), e aos filipenses: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus” (Fp 2.5). Assim, discipular alguém, biblicamente, significa tornar a pessoa cada vez mais semelhante a Jesus Cristo, em seu caráter, seus valores, sua conduta e seu propósito na vida. E não necessariamente semelhante ao seu discipulador! E para isso é necessário transmitir fielmente o ensino bíblico. Em outras palavras, discipulado não é mera “transmissão de vida” – não no sentido em que essa expressão é habitualmente empregada, como se bastasse alguém acompanhar nosso dia a dia para receber tudo o que é necessário a fim de tornar-se um cristão. Antes, discipulado é, primordialmente, a transmissão do conhecimento de Jesus Cristo, do ensino das Escrituras, do conteúdo do evangelho – isso sim, é verdadeiramente transmissão de vida! Porque Timóteo seguira de perto o ensino de Paulo, podia seguir de perto igualmente a sua conduta, o seu propósito, a sua fé, a sua paciência, o seu amor, a sua perseverança, as suas perseguições e os sofrimentos que o discipulado de Jesus Cristo acarreta – o que Dietrich Bonhoeffer chamava de “graça preciosa”. Em uma palavra, Timóteo podia tornar-se um verdadeiro discípulo de Jesus Cristo, na plena acepção do termo. Tudo isso porque Timóteo sabia desde criança as “Sagradas Letras”, capazes de “torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus” (2Tm 3.15). E porque “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra” (2Tm 3.16,17). Ou seja, sem ensino bíblico, nenhum “discípulo” jamais será apto e plenamente preparado para toda boa obra, pois não terá sido repreendido, corrigido e instruído na justiça pela Palavra de Deus. Discipulado sem instrução teológica não é discipulado!
Portanto, para que haja verdadeiro discipulado, segundo o padrão bíblico, devemos "andar junto" com nossos discípulos, mas também ensinar-lhes, diligentemente, "toda a vontade de Deus" (At 20.27).
2 comentários:
Hoje está em maior estima ter um título de "profeta", "apóstolo" do que ensinar a Palavra de Deus, é o que eu percebo pelo menos.
Que Deus continue nos agraciando para que sejamos verdadeiros discípulos de Jesus Cristo.
É verdade, Daniel, para muitos hoje já não basta ser pastor... graças a Deus pelos verdadeiros pastores, obreiros e obreiras do Evangelho. Obrigado pelo comentário!
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