sexta-feira, 1 de junho de 2018

A RESPEITO DA CESSAÇÃO DOS DONS EXTRAORDINÁRIOS OU MILAGROSOS: OS DONS DE CURAS

Uma das maiores disputas teológicas entre os cristãos, desde o século passado, tem sido a respeito da continuidade ou não dos dons espirituais extraordinários ou milagrosos (como o falar em línguas, a profecia, os dons de curas, etc.). Os que creem na continuidade desses dons extraordinários alinham-se com os pentecostais, carismáticos e continuístas. Aqueles que admitem a cessação desses dons são chamados de cessacionistas. Este texto se propõe a contribuir com algumas reflexões a favor da posição cessacionista, utilizando os dons de curas para exemplificar a tese aqui proposta. O objetivo é contribuir para o debate, ao mesmo tempo em que oferece uma breve introdução ao tema. [Todas as citações bíblicas deste texto foram extraídas da Nova Versão Internacional - NVI.]

OS DONS EXTRAORDINÁRIOS DEVERIAM CESSAR

Que os dons milagrosos ou extraordinários cessariam um dia, os apóstolos já sabiam. Bem conhecida de todas as partes desse debate é a passagem de Paulo em 1Coríntios 13.8: "O amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará". Foge ao escopo deste artigo investigar quando isso aconteceu de acordo com 1Coríntios 13, mas o versículo 8, acima, fornece a indicação de que os apóstolos eram conscientes de que os dons extraordinários do Espírito deveriam cessar um dia.

OS DONS DE CURAS NO NOVO TESTAMENTO: SEU AUGE NO LIVRO DE ATOS

No livro de Atos dos Apóstolos o dr. Lucas descreve várias curas milagrosas efetuadas pelos discípulos. Veremos brevemente algumas:

Atos dos Apóstolos 3.1-8: a cura de um mendigo aleijado de nascença. Trata-se certamente de uma cura milagrosa. O homem, diz Lucas, era "aleijado de nascença" (versículo 2), mas quando Pedro ordena: "Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, ande" (versículo 6), o mendigo levanta-se de um salto e começa a andar (versículo 8). Lucas deixa claro que a cura aconteceu "imediatamente" (versículo 7) e de forma perfeita: ele nunca tinha andado em toda a sua vida, mas agora andava e saltava normalmente (versículo 8). O caráter imediato e pleno da cura indica seu caráter divino, milagroso. Não poderia ser fingimento e nem foi uma "cura" nebulosa, questionável.

Atos dos Apóstolos 5.14-16: milagres extraordinários. No versículo 12, Lucas diz que "os apóstolos realizavam muitos sinais e maravilhas entre o povo". Aqui, os dons milagrosos ainda estavam restritos, aparentemente, ao círculo apostólico. Pessoas colocavam seus doentes no caminho de Pedro, para que a sua sombra se projetasse sobre eles e os curasse (versículo 15, subentende-se que tais pessoas eram efetivamente curadas). Pessoas de cidades próximas a Jerusalém também traziam seus doentes, e Lucas faz questão de dizer que "todos eram curados" (versículo 16). Todos. Os dons de curas eram eficazes em 100% dos casos. Isso é muito importante. Não havia quem não fosse curado.

Atos dos Apóstolos 9.32-43: uma cura e uma ressuscitação. Nesta passagem vemos o apóstolo Pedro utilizando dons de curas em duas pessoas, dois casos perdidos: um homem paralítico, acamado há oito anos (versículo 33) e uma mulher já falecida (versículos 36-40). O primeiro foi curado "imediatamente" à ordem de Pedro (versículo 34). Cura plena e total, bem como a capacitação para locomover-se normalmente depois de ficar preso a uma cama durante oito anos! A segunda, a mulher morta, voltou à vida em resposta às palavras de Pedro: "Tabita, levante-se" (versículo 40, compare com Marcos 5.41). Novamente, em 100% dos casos, o sucesso foi total. Os dons de curas eram 100% eficazes, em todos os casos.

Atos dos Apóstolos 14.8-10: outro aleijado desde o nascimento é curado. Paulo, desta vez, é o agente da cura extraordinária. Um homem "paralítico dos pés, aleijado desde o nascimento" (versículo 8) foi confrontado pela ordem do apóstolo: "Levante-se! Fique em pé!", e imediatamente levantou-se de um salto, começando a andar normalmente (versículo 10). Não há dúvida de que os dons de curas operavam de modo absolutamente completo, perfeito, sem falha alguma.

Atos dos Apóstolos 19.11,12: milagres extraordinários. Lucas descreve como até mesmo lenços e aventais usados por Paulo eram levados para os enfermos e para pessoas atormentadas por demônios. Os primeiros eram curados, os segundos, libertos. Sem erro, sem falhas, sem exceções.

Atos dos Apóstolos 20.7-12: mais um morto é trazido de volta à vida. O jovem Êutico despenca de uma janela do terceiro andar, vindo a falecer. Mas Paulo o traz de volta à vida (versículos 10-12). Não houve uma tentativa. Houve um sucesso imediato.

Atos dos Apóstolos 28.7-10: dons de curas na ilha de Malta. Após sobreviver milagrosamente à picada de uma cobra (versículos 1-6), Paulo cura todos os enfermos da ilha (versículos 8 e 9). Todos, sem exceção. Paulo extirpou as enfermidades da ilha de Malta. Sucesso absoluto em 100% dos casos. Assim eram os dons extraordinários de curas.

Porém, algo aconteceu aos dons extraordinários. Eles foram desaparecendo gradativamente à medida que o Novo Testamento terminava de ser escrito. Assim como os milagres e os dons dos profetas do Antigo Testamento, os dons extraordinários do Novo Testamento tinham a função de autenticar a revelação escrita do Espírito Santo. Ao concluir essa revelação (os escritos do Novo Testamento), os dons milagrosos cessaram, desapareceram. Eles foram cessando enquanto o Novo Testamento era escrito, como veremos a seguir. Continuaremos elencando tão-somente alguns dons de curas, como exemplo.

OS DONS DE CURAS NO NOVO TESTAMENTO: SEU OCASO NAS EPÍSTOLAS

1Coríntios 12.7-10: uma lista de dons. Aqui vemos Paulo alistando alguns dons espirituais extraordinários. Aparentemente, a igreja de Corinto possuía todos esses dons, e os utilizava plenamente, ainda que de modo imaturo, muitas vezes. No momento em que Paulo escreveu esta carta, uma das primeiras cartas que ele escreveu, todos os dons extraordinários estavam, aparentemente, ainda em uso. Ainda estavam à disposição dos cristãos.

Gálatas 4.12-16: uma enfermidade nos olhos. Paulo afirma que os gálatas o conheceram quando ele padecia de uma doença (versículo 13), provavelmente nos olhos, algo nada agradável (versículo 15). Certamente ele não conseguiu curar-se a si mesmo, da mesma forma que em 2Coríntios 12.7-10. Tampouco seus companheiros missionários conseguiram curá-lo. Aqui não há menção alguma de dons espirituais extraordinários.

Filipenses 2.25-30: o caso de Epafrodito. Um dos companheiros de Paulo, Epafrodito, adoeceu gravemente e "quase morreu" (versículos 27 e 30). Ele conseguiu sobreviver, mas não devido aos dons milagrosos de Paulo ou de algum outro cristão, mas tão-somente porque "Deus teve misericórdia dele" (versículo 27), com certeza em resposta às orações de Paulo e de seus companheiros, mas não em virtude de algum dom espetacular de cura. Aqui, novamente, não há menção de dons milagrosos, muito menos de dons de curas. Anos já haviam transcorrido, e aparentemente esses dons já não se manifestavam mais, ou pelo menos não de modo tão frequente como no passado.

1Timóteo 5.23: um conselho amigo. Ao aconselhar Timóteo, seu filho na fé, para que bebesse um pouco de vinho, em virtude de suas "frequentes enfermidades", Paulo admite, tacitamente, que não pode mais exercer seus dons de curas para dar saúde perfeita ao seu companheiro de viagens missionárias. Ele não pôde curar Timóteo. Ficamos sabendo que Timóteo tinha problemas estomacais, padecia frequentes enfermidades e não fora curado por Paulo ou por nenhum outro apóstolo ou cristão. Paulo, novamente, não menciona nenhum dom extraordinário de cura nesta passagem. Em vez disso, ele somente pode dar um conselho amigo. É como se os dons de curas, tão efetivos no começo de seu ministério apostólico, especialmente em Éfeso, já não existissem mais.

2Timóteo 4.20: um amigo enfermo. A tristeza do apóstolo é claramente percebida aqui: "deixei Trófimo doente em Mileto". Eles haviam estado juntos; Paulo tinha tido a oportunidade de curá-lo, se ainda tivesse os dons de curas. Em vez disso, ele foi obrigado a deixar seu amigo em Mileto, sem saber se ele viveria ou morreria. Ao escrever esta carta, de fato Paulo ainda não sabia o que havia acontecido, afinal, com Trófimo. Ele teria morrido? Ou sobrevivera à enfermidade? Paulo não sabia. Mas sabia que não havia conseguido curá-lo. Novamente, nenhum dom extraordinário é mencionado aqui. Aquele tempo havia passado.

Tiago 5.14-18: a oração da fé no lugar dos dons de curas. Ao escrever sua carta, Tiago, meio-irmão do Senhor, sugere que os enfermos chamem os "presbíteros" da igreja para que orem (versículo 14). O óleo, aqui, pode representar o Espírito Santo, ou talvez Tiago esteja receitando um tratamento meramente medicinal. Óleos de vários tipos eram usados para ungir os enfermos, na esperança de uma melhora, e isso de acordo com a medicina da época, sem teor espiritual. De qualquer modo, ele não menciona dons extraordinários de cura. Em vez disso, diz que a "oração feita com fé curará o doente" (versículo 15). Os dons milagrosos eram coisa do passado. A oração - esse maravilhoso recurso, disponível a todos os cristãos de todas as épocas - é, a partir de agora, o modo como os enfermos podem ser curados, de acordo com a vontade de Deus (veja Tiago 4.15).

CONCLUSÃO

O Novo Testamento mostra claramente que os dons extraordinários tiveram seu apogeu e seu papel importantíssimo na jovem igreja cristã, em seus primórdios, autenticando a mensagem dos apóstolos e fortalecendo a igreja perante o mundo descrente ao redor. Mas à medida que a revelação suprema de Deus - o Novo Testamento - foi sendo registrada, os dons milagrosos deixaram de ter utilidade. Nenhum milagre ou dom poderia suplantar a Palavra de Deus (veja esse princípio exposto, por exemplo, em Lucas 16.31). Quando o Novo Testamento foi concluído, os dons milagrosos já não existiam mais.

Deus ainda pode curar hoje? Ainda pode fazer milagres hoje? Claro que pode, pois Ele é Deus. Ele pode fazer o que bem entender, sem nunca cair em contradição com Si mesmo ou com Sua Palavra revelada, a Bíblia, que é a expressão de Seu caráter santo para nós.

Deus ainda pode operar milagres, basta Ele querer. Mas pessoas providas de dons milagrosos ou extraordinários não existem mais, porque tais dons não existem mais. A Palavra de Deus nos foi dada, e ela é suficiente para a vida cristã em sua totalidade. "Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos" (Lucas 16.31).

Sola Scriptura

Soli Deo Gloria