sexta-feira, 10 de junho de 2011

O PASTOR

Um sermão de ULRICH ZWINGLIO.

Na Segunda Conferência de Zurique, que aconteceu nos dias 26, 27 e 28 de outubro de 1523, Zwinglio pronunciou um sermão dirigido especialmente aos pastores ali reunidos. Inspirando-se em Jesus Cristo como “O Bom Pastor”, Zwinglio expressou sua opinião sobre o que deveria ser um pastor bíblico. Como era seu costume, não escreveu seu sermão. A pedido do Dr. Joaquim Vadiano, líder da Reforma na cidade de Saint Gall, Zwinglio publicou seu sermão em 26 de março de 1524 com o simples título “O Pastor”. O sermão, na verdade, transformou-se num tratado. Devido à sua amplitude, traduzimos uma pequena parte, na qual o reformador destaca a questão dos falsos pastores e tece suas “considerações fiéis sobre o fiel pastor”.

O sermão completo está publicado na obra Zwingli Hauptschriften, volume 1, páginas 169-242 (Zurique, 1940). É facilmente compreensível que o sermão pregado pelo reformador diante de 350 pastores adotasse logo a forma extensa de um tratado de teologia pastoral. Esclarecemos que Zwinglio considera as autoridades civis também como “pastores” obrigados a governar como servidores de Deus.

Um pastor e as ovelhas que ele cuida são um exemplo tão claro de Deus e de nosso ministério, que a Escritura no Antigo Testamento sempre mostra a providência divina e o governo de Deus sobre nós, pobres homens, na imagem do pastor, isto é, Deus como pastor e nós como ovelhas. Nosso Salvador Jesus Cristo também chamou a si mesmo de “pastor” (Jo 10.11), porque Ele é o Guia e o Pastor que depois de tirar-nos do tenebroso estado de ignorância e das cadeias da doutrina humana nos levou à luz da sabedoria divina e à liberdade dos filhos de Deus.

Portanto, é preciso que todos os que têm sido enviados como pastores de suas ovelhas desempenhem seu ministério tendo como modelo a Palavra de Deus única e verdadeira, encarnada no Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Filho de Deus, Palavra que tem se manifestado claramente agora, nestes últimos tempos, e também antes, ainda que com menor claridade, no Antigo Testamento, mediante os patriarcas e os profetas.

Cristo disse em Mt 16.24: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. Antes de qualquer outra coisa, o homem deve negar-se a si mesmo, pois o homem sempre deseja ter importância e conquistar algo para si mesmo. Mas agora lhe é ordenado que se considere um servo sem independência e que veja a si mesmo como um réprobo, buscando somente o que Deus exige dele, e deve renunciar a toda tentativa de cumprir a vontade de Deus mediante suas próprias forças seu próprio saber, valendo-se unicamente de Deus e de Sua Palavra. Conseguindo isso, começa a carregar a cruz. A cada dia a levará sobre si, pois dia a dia encontrará contrariedades que deverá suportar, em vez de fugir delas e de sua responsabilidade.

Se o pastor ou qualquer outro homem tem renunciado a si mesmo dessa maneira, a primeira coisa que deve acontecer é que Deus lhe satisfaça, isto é, que o homem tenha toda a sua confiança em Deus e busque somente em Deus o seu consolo.

Isto foi o que Cristo disse aos seus discípulos, aos quais (logo depois deles começarem a segui-Lo) não somente alimentou materialmente, mas também perguntou-lhes se alguma coisa lhes havia faltado quando os enviou sem bolsa para o dinheiro nem alforje para a comida. Os discípulos responderam que nada lhes havia faltado. Ao mesmo tempo Cristo ordenou-lhes que não se preocupassem em como deveriam defender-se em caso de acusação, pois em tais momentos lhes seria dado o que dizer (Mt 10.19). Além disso Cristo soprou Seu hálito sobre eles antes que recebessem seu ministério de pregação (Jo 20.22) e lhes disse: “Recebam o Espírito Santo”. E fez e disse essas coisas porque para apascentar as ovelhas somente é capacitado aquele que tenha se despojado de todo egoísmo, aquele em quem Deus habite e aquele que fala aquilo que Deus lhe concede falar.

Do que acabamos de ouvir concluímos que não deve pregar-se nada além da Palavra de Deus. Somente mediante a Palavra de Deus o pastor fará com que as almas que lhe foram confiadas compreendam em que consistem as suas faltas. Se as almas compreendem e sentem que não podem salvar-se por suas próprias forças, o pastor as encomendará à graça divina, indicando-lhes que confiem nela totalmente. E Deus, para corroborar a Sua graça, nos deu seu único Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor, em quem temos acesso eternamente a Deus.

Cristo, igualmente, nos ensina a não temer nossos adversários, afirmando: “Eu lhes disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz” (Jo 16.33). Aqui vemos que Cristo lutou antes de nós. E Ele nos ordena a não temer, mas prosseguir em Sua obra, apesar das aflições que os outros possam causar-nos. O mundo também causou aflições a Cristo. A nossa consolação é precisamente que Ele venceu o mundo. E se somos fiéis servidores de Cristo, Ele voltará a vencer o mundo para nos favorecer. Por isso devemos nos alegrar, como diz Ex 14.14: “O Senhor lutará por vocês; tão-somente acalmem-se”.

Assim, o pastor deve realizar o trabalho para o qual o seu Senhor o chamou, e ao mesmo tempo deixar que o próprio Senhor atue e lhe proteja.

Quanto aos “falsos pastores”, não são mais do que falsos profetas que, tantas vezes, são descobertos graças à intervenção divina. No entanto, nos empenhamos em não reconhecê-los! Mas Cristo os qualifica claramente em Mt 7.15-23. Aqui temos à nossa disposição instruções que nos permitem reconhecer os falsos pastores e falsos profetas sem risco de equivocar-nos.

Em resumo, assim você poderá reconhecer os falsos pastores:

1. Todos os que não ensinam são lobos, ainda que sejam chamados pastores, juízes, bispos ou reis. A esse respeito, observe quais são os pastores que ensinam corretamente.

2. Aqueles que ensinam, mas não ensinam a Palavra de Deus, e sim suas próprias ideias, também são lobos.

3. Aqueles que ensinam a Palavra de Deus, mas não para a glória de Deus, e sim para a glória de si mesmos e de seu chefe, o papa, fazendo-o em defesa do alto estado em que imaginam encontrar-se, são lobos vorazes vestidos em pele de ovelhas.

4. Aqueles que, corretamente, ensinam a Palavra de Deus, mas não atuam para corrigir os escandalizadores, que são os que mandam no povo, e consentem em que sua tirania aumente, são lobos bajuladores e traidores para com o povo.

5. Aqueles cujas obras não concordam com o que ensinam da Palavra, nada significam para o povo cristão. Destroem com suas obras aquilo que pregam com suas palavras.

6. Aqueles que não pensam no bem dos pobres, mas que consentem em que sejam explorados e oprimidos, são falsos pastores.

7. Aqueles que ostentam o título de “pastor” e ao mesmo tempo governam como mundanos são os piores lobos vorazes.

8. Aqueles que entesouram riquezas e enchem seus bolsos e seus cofres e suas despensas e casas, são verdadeiros lobos vorazes. E, finalmente, aqueles que não se propõem a semear entre os homens nem a sabedoria nem o temor a Deus por meio da sã doutrina, são falsos pastores. Fora com eles! Que sejam afastados das ovelhas, ou as devorarão!

9. Sem o menor esforço pode-se compreender que são falsos pastores todos aqueles que em vez de guiar as ovelhas rumo ao seu Criador, as conduzem a outras criaturas.

Mui amados irmãos e colaboradores da vinha de Cristo! Não se admirem da angústia e das ondas tempestuosas que os ameaçam neste mundo agitado. Se tiverem medo, Cristo os chamará de “homens de pouca fé”. Porque Ele não está dormindo, mas examina a nossa bravura. E se for de Sua vontade, ordenará aos ventos e ao mar que se acalmem e nos manterá acima das águas sem perigo, para que não nos afoguemos. Ele não permitirá que vocês sejam tentados além do que podem suportar! Mas continuamente lhes mostrará como sair da tribulação e como escapar do poder do mundo, e lhes dará poder e autoridade sobre dragões, leões e basiliscos, para que passem sobre eles, pisoteando-os.

Vocês prometeram a Ele fidelidade e amor, assim como Pedro, que disse: “Senhor, tu sabes que te amo” (Jo 21.16). Se não fosse pela sua promessa, vocês teriam entrado no redil das ovelhas por outro caminho, como um lobo faria, e não pela Porta, pelo Caminho que é Cristo.

Vejamos quem quer ser o primeiro que, por seu amor ao Senhor, tenha a coragem de enfrentar o sofrimento! Que serviço vocês poderão oferecer a Ele, se somente trabalharem quando houver tempo bom, mas fugirem ao primeiro sinal de tempestade?

Os príncipes deste mundo dispõem de pessoas que lutam por eles e que se deixariam matar por eles, em troca de um pequeno, sim, um pequeno salário. E o nosso Pai e Senhor não irá dispor de ninguém que lute por Ele inclusive até a morte, mesmo quando Deus não paga um salário perecível, mas sim um que concede alegria eterna, além de ter nos salvado e redimido por meio de Seu próprio Filho?

Enquanto vocês testifiquem de Cristo enquanto tudo vai bem, mas fugirem quando tudo vai mal, ninguém acreditará no testemunho de vocês, tendo em vista o seu mau exemplo. Porque os homens pensarão (ao vê-los pregar por um lado, e fugir por outro lado, recusando-se a enfrentar a morte) que vocês mesmos não creem na Palavra de Deus.

Portanto, quando vocês ouvirem o estrondo da perseguição, longe de vocês o sequer pensar em fugir; antes, lembrem-se que Deus os chamou às armas e está esperando para ver a coragem e a bravura de cada um de vocês. Que a vergonha caia como um manto sobre aqueles que pensam em fugir e não em colocar-se à frente das ovelhas, enquanto o Senhor ataca na vanguarda! A esse respeito, orem seriamente a Deus, para que seja confirmada a boa obra que Ele começou em suas vidas, e também para que vocês consigam que o Seu Nome e a Sua Palavra voltem a ser conhecidos pelas pobres ovelhas enganadas e seduzidas. Orem também para que vivamos segundo a vontade de Deus.

Porque somente quem permanecer até o fim será salvo (Mt 10.22; 24.13).

Fonte: Biblioteca de la Iglesia Reformada.

http://www.iglesiareformada.com/Zuinglio_Pastor.html

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