sábado, 18 de dezembro de 2010

LUGAR PARA CRISTO

Naqueles dias César Augusto publicou um decreto ordenando o recenseamento de todo o império romano. Este foi o primeiro recenseamento feito quando Quirino era governador da Síria. E todos iam para a sua cidade natal, a fim de alistar-se. Assim, José também foi da cidade de Nazaré da Galiléia para a Judéia, para Belém, cidade de Davi, porque pertencia à casa e à linhagem de Davi. Ele foi a fim de alistar-se, com Maria, que lhe estava prometida em casamento e esperava um filho. Enquanto estavam lá, chegou o tempo de nascer o bebê, e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria (Lc 2.1-7, NVI).

No conforto e na segurança de seu luxuoso palácio em Roma, a esplêndida e poderosíssima capital do mundo, o Imperador Otávio Augusto decidiu ordenar que, de tempos em tempos, um censo seria realizado a fim de conhecer o número de seus súditos – milhões e milhões de pessoas que viviam sob a égide da maior potência da História, debaixo da proteção de César. Um a um, os povos conquistados – egípcios, gregos, sírios e muitos outros – foram sendo recenseados. Chegou a vez, igualmente, do povo judeu. Todos viviam sob a Pax Romana, uma paz política e social forçada pelas legiões. Todos podiam contar com a mão protetora de César – desde que mantivessem o pagamento dos tributos em dia, é claro.

Longe, muito longe de Roma, numa aldeiazinha da Galiléia, de nome Nazaré, um casal preparou-se para a jornada rumo ao sul, rumo ao povoado de Belém, lar dos ancestrais de José. A jovem estava grávida, prestes a dar à luz – mas a ordem do César não podia esperar. Belém – “casa do pão” em hebraico – a cidade natal de Davi, a cidade onde Ruth passeara recolhendo espigas nos campos de Boaz. Como descendente da família de Davi (a “casa” de Davi, isto é, sua dinastia ou linhagem), José deveria alistar-se naquela cidade, juntamente com sua jovem esposa. Lucas utiliza uma expressão que a NVI traduz por “prometida em casamento”. O noivado judeu tinha o peso do compromisso de um casamento, porém, naquela época eles já estavam oficialmente casados, visto que Maria estava prestes a dar à luz. De qualquer modo, Mateus nos informa que José “não teve relações com ela enquanto ela não deu à luz um filho” (Mt 1.25). O nascimento virginal de Jesus é um dos pilares da fé cristã, e fartamente documentado nos escritos do Novo Testamento.

A viagem de Nazaré a Belém – uns 140 quilômetros - não deve ter sido fácil para eles, especialmente para Maria, em seu estado. Nem conforto nem segurança para eles, enquanto venciam quilômetro a quilômetro a distância que precisavam percorrer. Certamente foi com uma sensação de alívio que puseram os pés na cidade.

Enquanto estavam lá, chegou o tempo de nascer o bebê. Lucas faz questão de mencionar o fato de que Jesus nasceu em Belém. Não poderia ser em qualquer lugar; mais de 750 anos antes, esse nascimento já havia sido profetizado pelo profeta Miquéias (Mq 5.2). O Messias nasceria na cidade de Davi. O Pão da Vida nasceria na casa do pão. E no tempo certo: o Deus eterno é o Senhor da História. Jesus nasceu no tempo determinado por Deus (Gl 4.4). Ele sempre age no tempo certo, inclusive em nossas vidas. O tempo é d’Ele, não nosso.

Nasceu, então, o primogênito de Maria. Nunca é demais ressaltar a importância dessa palavra. Jesus é o unigênito do Pai, mas o primogênito de Maria – seu primeiro filho. Ela teve outros filhos, com José, após o nascimento de Jesus, quando eles começaram a ter um relacionamento normal de marido e mulher. O Novo Testamento menciona várias vezes os irmãos de Jesus (Mt 12.46,47; Mc 3.31,32; Lc 8.19,20; Jo 2.12; 7.3,5,10; At 1.14), inclusive citando seus nomes (Tiago, José, Simão e Judas [Mt 13.55], sendo que o primeiro e o último são os autores das epístolas neotestamentárias que levam seus nomes). Suas irmãs também são mencionadas (Mt 13.56). José e Maria, como todo casal daquela época e cultura, tiveram muitos filhos! A “explicação” católica romana, de que os “irmãos” de Jesus na verdade eram seus primos, só pode ser mantida pela cegueira dos dogmas fabricados pelo Vaticano. Tanto a gramática quanto a hermenêutica e a exegese proclamam em alto e bom som que Maria teve outros filhos além de Jesus.

Mas onde, exatamente, Jesus nasceu? Maria o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Viajantes cansados, vindos de várias partes da Judéia e dos arredores, provavelmente lotavam as estalagens. Ou, talvez, a explicação seja um pouco mais cruel; afinal, a frase de Lucas é ambígua: não havia lugar para eles na hospedaria. Gente mais importante tinha a primazia; afinal, não somente judeus deveriam estar de passagem em Belém para o censo: soldados e funcionários romanos também. João observa que Jesus veio para o que era seu, mas os seus não o receberam (Jo 1.11). Nosso Senhor foi rejeitado desde o seu nascimento. O mundo não o queria. Ele veio para sofrer. Sofreu desde o seu nascimento. Nasceu num estábulo. Foi colocado numa manjedoura – o lugar onde os animais comiam. Porque não havia lugar para Ele. César Augusto, em seu luxuoso palácio, governava o vasto império romano, o mundo conhecido, civilizado, enquanto o Senhor – o verdadeiro Senhor do mundo – nascia num estábulo. Desde o nascimento, e por toda a sua vida, Ele foi desprezado, e rejeitado pelos homens, foi um homem de dores e experimentado no sofrimento (...) foi desprezado (cf. Is 53.3). O Rei do universo nasceu num estábulo, não num palácio.

Sua vida inteira foi assim – uma vida de sofrimento e rejeição. Ele declarou certa vez a um escriba impetuoso: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8.20). Paulo nos conta como Jesus “esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo”, e que Ele “humilhou-se a si mesmo” (Fp 2.7,8). O Apóstolo acrescenta: “Pois vocês conhecem a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por amor de vocês, para que por meio de sua pobreza vocês se tornassem ricos” (2Co 8.9). Sim, Cristo humilhou-se, esvaziou-se, se fez pobre, para que nós pudéssemos ser exaltados pelo Pai, e assim herdar as ricas bênçãos da salvação, na ressurreição.

Hoje o mundo continua rejeitando a Cristo, de várias formas. E não só o “mundo”! Atualmente está na moda um movimento ridículo, promovido por alguns “cristãos” desinformados e desalmados, que fomentam uma atitude “anti-Natal”, alegando, entre outras bobagens, que o Natal é uma festa pagã (na verdade, ele foi instituído para substituir uma festa pagã), e que ninguém sabe ao certo a data exata do nascimento de Cristo (e daí?). “Cristãos” contra o Natal! O que mais falta acontecer? No meio do carnaval de aberrações que grande parte da igreja “evangélica” atual tem se tornado, os “cristãos contra o Natal” são mais um carro alegórico, e dos mais bizarros.

Sim, o mundo rejeita a Cristo. Não há lugar para Ele no mundo dos negócios: o capitalismo é selvagem! Também não há lugar para Cristo no mundo socialista, ou comunista – que o diga a igreja perseguida na China, na Coreia do Norte e em outras republiquetas marxistas. Das escolas e universidades Cristo foi banido há muito tempo; inclusive de algumas faculdades teológicas! Mais uma “conquista” da teologia liberal. E até mesmo em algumas “igrejas” já não há sinal de Cristo – Ele foi substituído por evangelhos da prosperidade, toques de shofar, “encontros com Deus”, “apóstolos”, “patriarcas”, “bispas”, “profetas” e muitos outros showmen, mercenários, quinquilharias gospel e ensinos provenientes de mentes doentias.

Veio para o que era seu, mas os seus o rejeitaram. Como rejeitam hoje. Como até mesmo muitos dos que se dizem seus seguidores o rejeitam. Porque não há lugar para Cristo na vida dos homens e das mulheres do século XXI. Ou de qualquer outro século. Como no século I, naquela noite em Belém. Não importa. O ser humano não quer entregar sua vida ao senhorio de Cristo. Todo mundo quer ser “dono do seu próprio nariz”. Mesmo no meio eclesiástico. A fé reformada é hoje rejeitada pela maioria dos chamados “evangélicos” porque eles não aceitam, não suportam, a ideia da soberania de Deus – querem ser donos do próprio destino. Um Deus soberano não se encaixa em suas vidas, não faz parte de seus esquemas filosóficos travestidos de teologia. Querem que Deus seja simplesmente um “Papai Noel do céu”, de braços cruzados, que assiste complacentemente as “grandiosas façanhas” de seu povo, sempre disposto a atender seus pedidos fúteis e mesquinhos! A Bíblia, muito pelo contrário, revela claramente Deus como o Senhor da História, Aquele que decide, desde a eternidade, o destino de cada criatura, inclusive de cada ser humano. E a vontade que prevalece é sempre a d’Ele – não a nossa. Tiago, meio-irmão de Jesus, nos recorda: “Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo” (Tg 4.15, ênfase acrescentada).

Mas nem todos rejeitaram o Rei dos Reis. Ao longo de toda a História, homens e mulheres deixaram tudo o que tinham para segui-lO, conforme as suas palavras: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me” (Lc 9.23). Muitos no passado puderam, e no presente podem, repetir as palavras do Apóstolo Pedro: “Nós deixamos tudo para seguir-te” (Mc 10.28). Porque Cristo encontrou, finalmente, o Seu lugar em suas mentes, em seus corações, em suas vidas.

Que Ele encontre o lugar principal em nossas vidas, ocupando o trono de nosso coração, onde possa reinar absoluto. Entreguemos totalmente o controle de nossas vidas a Ele, e sigamos Seus passos, para o lugar onde Ele nos enviar. Que nossa oração diária seja: “Senhor, reina em mim!”. Que se cumpra em nós a instrução paulina: “Assim, quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus” (1Co 10.31). Ofereçamos a Ele nossas vidas com o mesmo entusiasmo do Apóstolo: “...Considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por quem perdi todas as coisas (...) esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.8,13,14).

Que neste Natal, e em todos os tempos e épocas, Cristo encontre Seu lugar em nossas vidas, o lugar que lhe pertence por direito, como Salvador - e Senhor.

Feliz Natal a todos!

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