Diante dos acontecimentos no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, em relação ao desastre causado pelas chuvas e à irrecuperável perda de vidas humanas, bem como a morte de muitos animais e destruição de cidades inteiras, não temos como fugir de certas questões relativas ao sofrimento e à morte. Que tipo de mundo é este em que vivemos? Por que as coisas são assim? O que devemos fazer, como Igreja, diante do sofrimento que há no mundo?
Se existe uma certeza nesta vida, é: iremos sofrer. O sofrimento não é opcional neste mundo; antes, é um companheiro inseparável de jornada. Ao apresentar-se a Faraó, Jacó declarou a respeito de seus anos de vida: “Foram poucos e difíceis...” (Gn 47.9). Moisés sofreu o desterro durante quarenta anos, apenas para passar outros quarenta no deserto, e morreu sem pôr os pés na terra prometida. Jó sofreu horrivelmente, e seu nome, na cultura popular, é praticamente sinônimo de sofrimento. Samuel viveu o suficiente para ver o povo rejeitar a teocracia e pedir um “rei como as outras nações”. Davi foi perseguido injustamente por Saul, passando por todo tipo de humilhação, por anos a fio. E quando finalmente tornou-se rei, as coisas não melhoraram muito.
Os profetas experimentaram muito sofrimento em suas vidas. Jeremias, Ezequiel, Daniel, Oséias, Amós - apenas para citar alguns – foram alvo de extrema perseguição e violência. Todos eles pagaram um alto preço por ousar proclamar as palavras de Yahweh em meio a uma sociedade perversa e apóstata.
Os Apóstolos de Cristo não tiveram melhor sorte. Todos eles, com exceção de João (que sofreu o exílio em Patmos), foram martirizados. Tiago, meio-irmão de Jesus, foi apedrejado em Jerusalém. Paulo foi decapitado. Timóteo foi morto em Éfeso, espancado pelos seguidores da deusa Ártemis, segundo conta uma antiga tradição.
E quanto ao próprio Cristo? Alguém sofreu mais do que Ele? Desde o Seu nascimento num estábulo até Sua morte na cruz, Ele “foi desprezado e rejeitado pelos homens, um homem de dores e experimentado no sofrimento” (Is 53.3).
E ao contrário do que apregoam os mercenários da teologia da prosperidade, nós, os discípulos de Cristo, fomos chamados inclusive para sofrer: “pois a vocês foi dado o privilégio de não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele” (Fp 1.29). Sim, pois “para isso vocês foram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes exemplo para que sigam os seus passos” (1Pe 2.21). Além disso, quando o cristão sofre, sofre pela vontade de Deus. E esse sofrimento não nos exime de praticar o bem: “Por isso mesmo, aqueles que sofrem de acordo com a vontade de Deus devem confiar sua vida ao seu fiel Criador e praticar o bem” (1Pe 4.19).
Não advogo nenhuma “teologia do sofrimento”. Mas é inegável que a Bíblia não esconde o fato de que, mais cedo ou mais tarde, o sofrimento baterá à porta de todo ser humano, homem ou mulher, pobre ou rico, livre ou escravo. Porque todos nós sofremos do mesmo mal: o pecado.
Paulo nos informa que “o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte, assim também a morte veio a todos os homens...” (Rm 5.12). Nossos primeiros pais pecaram – rebelaram-se contra Deus – e sofreram as consequências de seus atos, bem como todos os seus descendentes, a raça humana inteira, pois “uma só transgressão resultou na condenação de todos os homens” (Rm 5.18). Quando Adão pecou, rompeu a união que havia entre a criatura e o Criador, quebrando a aliança que Deus havia instituído com o primeiro casal humano. “Visto que você deu ouvidos à sua mulher e comeu do fruto da árvore da qual eu lhe ordenara que não comesse, maldita é a terra por sua causa; com sofrimento você se alimentará dela todos os dias da sua vida. Ela lhe dará espinhos e ervas daninhas, e você terá que alimentar-se das plantas do campo. Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó, e ao pó voltará” (Gn 3.17-19). E assim surgiram as doenças, os acidentes, os desastres naturais (terremotos, furacões, enchentes, etc), a violência, a crueldade, o envelhecimento, e a morte. A natureza “foi submetida à inutilidade”, e “geme até agora, como em dores de parto” (Rm 8.20,22). E todos nós, seres humanos, eleitos ou não, estamos sujeitos a essa condição cósmica atual. Por isso, quando indagado a respeito de alguns galileus cujo sangue Pilatos misturara com os sacrifícios deles, Jesus respondeu: “Vocês pensam que esses galileus eram mais pecadores que todos os outros, por terem sofrido dessa maneira? Eu lhes digo que não! Mas se não se arrependerem, todos vocês também perecerão. Ou vocês pensam que aqueles dezoito que morreram, quando caiu sobre eles a torre de Siloé, eram mais culpados do que todos os outros habitantes de Jerusalém? Eu lhes digo que não!” (Lc 13.3-5). Neste mundo decaído, todos estamos sujeitos ao sofrimento. Paulo relata aos coríntios uma terrível experiência pela qual ele e seus companheiros passaram: “Irmãos, não queremos que vocês desconheçam as tribulações que sofremos na província da Ásia, as quais foram muito além da nossa capacidade de suportar, ao ponto de perdermos a esperança da própria vida” (2Co 1.8). Aos filipenses, ele conta: “Aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11-13). Isso porque “esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.13,14). E ele aconselha: “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o coração e a mente de vocês em Cristo Jesus” (Fp 4.6,7).
Sim, somente em Cristo não correremos o risco de entregar-nos ao desespero, diante da fúria da natureza (como no caso da tragédia causada pelas chuvas nos estados do sudeste) ou de situações inesperadas e dramáticas que possam abater-se sobre nós ou nossos entes queridos. Em Cristo e somente n’Ele teremos forças para enfrentar o sofrimento neste mundo, pois podemos suportar todas as coisas n’Ele (Fp 4.13). E em Cristo sabemos que fomos chamados para ajudar, ainda que nós também estejamos sofrendo (1Pe 4.19). Não faz parte do Cristianismo o cruzar os braços enquanto nossos semelhantes sofrem. Precisamos fazer alguma coisa, o que pudermos, o que estiver ao nosso alcance, para minimizar o sofrimento de nossos semelhantes.
E o maior dos sofrimentos é a separação de Deus, causada pelo pecado. Precisamos proclamar a Jesus Cristo, “o qual se tornou sabedoria de Deus para nós, isto é, justiça, santidade e redenção” (1Co 1.30), em quem “temos a redenção por meio de seu sangue, o perdão dos pecados” (Ef 1.7), pois “todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Rm 10.13).
Precisamos começar a agir como Igreja, estendendo a mão ao próximo, colocando os pés na lama e arregaçando as mangas para tirar nossos semelhantes do atoleiro. Igreja, é hora de agir!
“Digo-lhes que agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação!” (2Co 6.2).
“Lembrem-se: aquele que semeia pouco, também colherá pouco, e aquele que semeia com fartura, também colherá fartamente. Cada um dê conforme determinou em seu coração, não com pesar ou por obrigação, pois Deus ama quem dá com alegria. E Deus é poderoso para fazer que lhes seja acrescentada toda a graça, para que em todas as coisas, em todo o tempo, tendo tudo o que é necessário, vocês transbordem em toda boa obra. Como está escrito: Distribuiu, deu os seus bens aos necessitados; a sua justiça dura para sempre. Aquele que supre a semente ao que semeia e o pão ao que come, também lhes suprirá a semente e fará crescer os frutos de sua justiça. Vocês serão enriquecidos de todas as formas, para que possam ser generosos em qualquer ocasião” (2Co 9.6-11).
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