quarta-feira, 16 de maio de 2012

UMA FÉ QUE LEVA À ADORAÇÃO (PARTE 1)

Por A. DEMETRIO CÁNOVAS MORENO.

Sou consciente de que vou tratar de um dos assuntos mais polêmicos nos círculos evangélicos da atualidade. Não obstante, a controvérsia parece centrada em aspectos periféricos do assunto mais do que no fundo da questão. Em minha opinião, isso equivale a começar a casa pelo telhado. Se não temos diante de nós bem claros os princípios e fundamentos bíblicos da adoração, nossas opiniões sobre formas e acessórios serão irrelevantes, quando não impertinentes.

A adoração reformada tem a reputação de ser fria, pouco espontânea, etc. Para isso contribuíram não poucos casos de igrejas que, conservando o nome de calvinistas, não têm sido coerentes em sua prática. A fé cristã histórica não deveria produzir uma adoração fria e meramente cerebral, pois conta com fundamentos para que ocorra justamente o contrário, como veremos ao tratar das motivações para a adoração. Por enquanto, recordemos a seguinte declaração reformada: "O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre". [1]

Uma das melhores maneiras de glorificar a Deus é através da adoração de um povo redimido e santificado, e isto não à custa do gozo ou da alegria, mas juntamente com ele, como vemos nessa declaração. Entre os diversos enfoques que eu poderia ter escolhido para trabalhar este artigo sobre adoração, optei pelo expositivo. Não o fiz porque creia que este seja o único método válido ou mesmo o melhor. Mas sendo um entusiasma da pregação expositiva e procurando evitar os preconceitos pessoais na hora de trabalhar um assunto (infelizmente) polêmico, pareceu-me que o método expositivo seria certamente o mais objetivo.

O enfoque expositivo torna difícil trabalhar em todos os aspectos do tema, porque a relação de alguns pontos com o texto que lhes serve de base pode parecer um tanto forçada. Não peço desculpas por isso: alguns puritanos escreveram centenas de páginas com exposições sobre uma breve passagem das Escrituras, e certamente suas exposições tiveram de ser inevitavelmente forçadas em alguns casos.


Não pretendo escrever uma mera exposição do texto, para isso há excelentes comentários bíblicos. Desejo, sim, fazer uma aplicação do mesmo para a nossa situação neste início do 3º milênio. Além disso, considerei vários outros textos bíblicos e estudos de eminentes autores a fim de ter uma visão mais ampla possível sobre a adoração.


Por quê Isaías 6.1-13? Seu conteúdo não parece ser extraordinariamente diferente de nossa experiência diária como cristãos? Reconheço que, indubitavelmente, há elementos excepcionais tanto na visão quanto na comissão de Isaías, mas tendo uma firme convicção de que a Bíblia contém uma mensagem central, considero perfeitamente legítimo aplicar (com as devidas adaptações) qualquer uma de suas passagens em nossas vidas.


Alguém poderia objetar, com razão, que um incidente histórico não poderia ser utilizado como base para estabelecer uma doutrina. Nada mais longe do meu propósito. Antes, a doutrina bíblica da adoração encontra-se estabelecida pelos numerosos textos doutrinários que reforçam, explicam e ampliam a passagem de Isaías. Não me proponho oferecer aos leitores uma teologia da adoração, mas sim tratar daqueles aspectos da adoração que requerem uma atenção maior em nossas vidas devido à ignorância a respeito de seu conceito bíblico e histórico.


A visão de Isaías foi singular. O simples fato de falar de uma visão põe o crente normal em uma esfera totalmente diferente. Mas estaríamos muito enganados se não percebêssemos que qualquer cristão pode e deve experimentar seu equivalente em termos mais, digamos, comuns. Não foi em vão que Paulo pôde dizer que "todos nós, que com a face descoberta contemplamos a glória do Senhor, segundo a sua imagem estamos sendo transformados com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é o Espírito" (2Co 3.18).


Definições


Pode ser útil para nós, antes de estudar a definição de adoração, mencionar algumas palavras que o Novo Testamento emprega sobre nosso tema: Homenagem ou submissão agradecida (proskynein); serviço (latreia); serviço sacerdotal (leitourgia); cuidado (therapeyin); servir a um superior (yperetein); servir pessoalmente (diakonein); reverência ou respeito (eusebeia); prostrar-se (proskynein); honrar religiosamente (sebazomai); louvar (ainos); aprovação (epainos); falar bem de alguém (eulogia); engrandecer (megalyno).


Segundo Peter Brumby, o vocabulário bíblico sobre adoração pode ser resumido da seguinte forma:


1. O grupo de palavras que indica prostração. Tanto os verbos hebraicos quanto os gregos indicam que a adoração denota uma inclinação por parte do adorador diante da infinita majestade e superioridade de Deus.


2. O grupo de palavras que indica serviço. Os verbos originais, neste caso, especificam o serviço prestado por um escravo inferior (um servo) a um amo superior. Em Romanos 12.1 o Apóstolo Paulo afirma que só há uma resposta às misericórdias de Deus, que é o nosso "culto racional". "O culto considerado aqui é um serviço de adoração" (John Murray). [2]


Poderíamos citar outros termos adicionais, mas com esses já enumerados podemos perceber que o conceito neotestamentário de adoração nada sabe dessa espécie de diversão sub-espiritual em que se tornaram muitos "cultos" em nosso tempo, "cultos" que mais parecem buscar um escapismo momentâneo dos problemas da vida do que ser uma atividade orientada de modo a servir, honrar e glorificar a Deus.


É interessante observar a ausência total do conceito de "celebração" na terminologia bíblica da adoração, conceito esse tão em voga em certos círculos evangélicos, especialmente em sua acepção de comemorar ou festejar um acontecimento. Claro que a adoração contém um elemento comemorativo (pensemos, por exemplo, na Ceia do Senhor), mas quando esse elemento incidental é transformado praticamente na essência e no todo da adoração, o desequilíbrio é claramente manifestado. Não esqueçamos que, em muitos casos, o erro é nada mais do que uma verdade levada a um extremo.


Também notamos que a adoração não consiste em meros atos culturais isolados e desconexos, mas sim na atitude e atividade cotidiana que resume admiravelmente bem a sentença paulina: "Assim, quer vocês comam, bebam ou façam qualquer outra coisa, façam tudo para a glória de Deus" (1Co 10.31).


Vemos, além disso, que louvar a Deus é falar em harmonia com a Sua natureza, o que implica uma grande responsabilidade por parte dos adoradores; não é algo que possa ser feito de modo descuidado. Assim ensina a Escritura: "Por meio de Jesus, portanto, ofereçamos continuamente a Deus um sacrifício de louvor, que é fruto de lábios que confessam o seu nome" (Hb 13.15). Com este conceito concordam as definições de adoração que vários homens de Deus nos legaram:


"O próprio Deus está no centro da adoração cristã. Para que exista uma verdadeira adoração é necessária a presença de dois elementos: a revelação, mediante a qual Deus se manifesta ao homem, e a resposta, mediante a qual o homem, maravilhado, responde a Deus. Martinho Lutero afirmou que conhecer a Deus é adorar a Deus". [3]


Herbert Carson:


"Adorar a Deus é compreender o propósito pelo qual Deus nos criou. A adoração é a declaração da criatura sobre a grandeza do Criador. É a alegre afirmação por parte do pecador perdoado a respeito da misericórdia de seu Redentor. É o testemunho unificado de uma congregação que adora a respeito da perfeição de seu Senhor. É o auge do culto que os anjos prestam a Deus e o clímax do propósito eterno de Deus para o Seu povo. É a meta suprema do homem agora, e a consumação de sua vida no Céu". [4]


Gerald Vann:


"A adoração, pois, não é parte da vida cristã. A adoração é a vida cristã".


John Blanchard:


"A vida não deveria conter meramente atos de adoração; deveria ser um ato de adoração".


D. Peterson:


"A adoração no Novo Testamento é um conceito muito amplo, que descreve a experiência total do cristão". [5]


P. W. Hoon:


"Nossa ideia tradicional de adoração como algo restrito à reunião da congregação num templo e lugar concreto para celebrar rituais já não tem validade". [6]


W. Nicholls:


"A adoração é a atividade suprema, a única indispensável, da Igreja cristã". [7]


O povo de Israel caiu no erro de considerar a adoração como um mero ritual, e por isso recebeu a conhecida repreensão do profeta: "Pois desejo misericórdia, e não sacrifícios; conhecimento de Deus em vez de holocaustos" (Os 6.6). Isto não significa uma negação do fato de que existem atos concretos de adoração, como os cultos cristãos. O que significa é que de modo nenhum nossa adoração a Deus deve limitar-se a tais atos e que tais atos jamais deverão contradizer o restante de nossa experiência cristã.


Neste artigo será enfatizada a adoração pública. A adoração individual é importante, e muitas das coisas que trataremos são pertinentes a esse tipo de adoração, mas nossa principal preocupação é o aspecto público da adoração. A Escritura confere muita importância ao fato de nos reunirmos para adorar a Deus (Hb 10.25). E no Antigo Testamento somos lembrados de que o Senhor "ama as portas de Sião mais do que qualquer outro lugar" (cf. Sl 87.2). No Novo Testamento lemos que os cristãos "permaneciam constantemente no templo, louvando a Deus" (Lc 24.53).


Pesquisas indicam que no ano 2010 entre 10 e 20% dos norte-americanos tinham suas necessidades religiosas satisfeitas pela internet, sem necessidade de assistir num lugar de culto. Algo parecido acontecerá, sem dúvida, em outros países. É importante, pois, que façamos menção da necessidade da adoração coletiva. [8]


Importância


Se a adoração fosse simplesmente uma atividade esporádica, talvez não precisasse de uma reflexão mais profunda. Mas como é muito mais do que isso, as palavras de Charles Spurgeon são reveladoras:


"Aquele cuja alma não adora nunca viverá em santidade".


Adorar a Deus é o maior privilégio que um ser humano pode ter. O que o salmista dizia sobre os sacerdotes e levitas pode ser aplicado ao crente atual: "Como são felizes aqueles que escolhes e trazes a ti, para viverem nos teus átrios! Transbordamos de bênçãos da tua casa, do teu santo templo!" (Sl 65.4). Nós, cristãos, fomos escolhidos para adorar a Deus. Por natureza, não escolhemos Deus para adorá-Lo, mas frequentemente escolhemos criaturas e ídolos. O fato de que adoramos ao Deus verdadeiro é devido, unicamente, à vontade soberana de Deus. Como foi dito a Saulo: "O Deus dos nossos antepassados o escolheu para conhecer a sua vontade, ver o Justo e ouvir as palavras de sua boca" (cf. At 22.14).


Certamente Deus demanda ser adorado por parte de todas as criaturas, como pode ser visto, repetidamente, no livro dos Salmos (Sl 65.13; 69.34; 98.8; 117.1; 148.7), assim como no Apocalipse (Ap 14.7; 15.4) e em outros textos. Mas num outro sentido, a adoração é o privilégio e o dever do povo redimido por Deus (cf. Ap 11.1).


"A adoração do povo de Deus na Bíblia é peculiar porquanto se apresenta uma e outra vez como a adoração que oferecem os que foram redimidos". [9]


Na verdade, a adoração é a consequência lógica da conversão. Quando um ser humano conhece o Deus verdadeiro e a grande redenção que Ele realizou a nosso favor, é racional esperar que sua atitude seja prostrar-se em adoração agradecida diante d'Ele. Como disse Jesus a Satanás: "Adore o Senhor, o seu Deus, e só a ele preste culto" (Mt 4.10). 


No entanto, não é suficiente que o povo redimido adore a Deus; deverá fazê-lo de acordo com as normas das Escrituras. Em 1Crônicas 13 lemos sobre a tentativa de Davi de levar a arca da aliança até o Tabernáculo num carro puxado por bois, imitando o que os filisteus haviam feito anteriormente. Durante a viagem, Uzá toca na arca para evitar que a mesma caísse, e morre instantaneamente. Depois disso Davi percebeu que toda aquela operação não havia sido feita de acordo com os mandamentos de Deus (cf. 1Cr 15.13). Encontramos aqui um princípio importante: mesmo que agora adoremos a Deus "em Espírito e em verdade", isso não nos deve impedir de observar os mandamentos estabelecidos nas Escrituras. Deus não aceita que o adoremos de qualquer maneira. Não adianta afirmar que podemos adorar a Deus de modo aceitável utilizando qualquer meio ou modelo desde que não esteja expressamente proibido pela Bíblia, porque, levada ao seu extremo, tal ideia pode nos levar a todo tipo de extravagâncias e práticas ridículas, como aconteceu no passado e acontece cada vez mais em nossa época. A única salvaguarda contra semelhantes excessos é a adesão incondicional aos princípios claramente expressados nas Escrituras: "Tenha o cuidado de fazer tudo segundo o modelo que lhe foi mostrado no monte" (cf. Hb 8.5). Isso é o que denominamos o princípio regulador do culto.


À luz do texto de Isaías 6.1-13, analisaremos a questão da adoração de acordo com seu contexto, sua motivação, sua expressão e seu conteúdo, sem esquecer de seus efeitos e de suas consequências.


O CONTEXTO DA ADORAÇÃO


"No ano em que o rei Uzias morreu" (Is 6.1).


O rei Uzias morreu no ano 740 a.C. Os últimos anos de seu reinado sofreram a ameaça do Império Assírio comandado por Tiglate-Pileser III. Em tal situação, deve ter sido reconfortante para Isaías ter uma visão de Deus em Sua soberania ("assentado num trono alto e exaltado") e adorar o verdadeiro Imperador do universo. A adoração nos eleva acima do contexto das pressões políticas e sociais de nosso tempo, pois a nossa confiança não descansa nas circunstâncias, mas no Senhor das circunstâncias.


Daniel continuava orando da mesma forma que antes do decreto do rei Dario, que proibia orar a qualquer deus ou homem exceto ao rei (Dn 6). E como sabemos, o Rei dos reis livrou Daniel da cova dos leões.


Paulo e Silas adoravam a Deus na masmorra em Filipos - esse era o contexto de sua adoração. Não louvavam a Deus para obter vantagens, mas porque, em qualquer situação na qual nos encontremos, Deus é digno de ser louvado.


Uzias foi um rei que viveu seus últimos anos devastado pela lepra. Deus castigou sua ousadia com essa terrível enfermidade quando ele tentou oferecer incenso no Templo. Mas a lepra de Uzias era também um sinal da imundície espiritual do povo de Deus ("um povo de lábios impuros"). No entanto, como veremos mais adiante, na adoração encontramos a fonte da purificação: a Cruz ("isto tocou os seus lábios").


O reinado de Uzias foi caracterizado por um certo grau de prosperidade para o povo de Deus, pelo qual este corria o perigo de depositar a sua confiança nos bens materiais. Por isso, quando o Senhor se revela a Isaías, é como se dissesse ao profeta que não fixasse sua vista nas coisas da Terra, mas sim nas coisas do Céu.


A enfermidade e a morte de Uzias constituíram uma advertência divina de que Deus não toleraria nenhum desvio de Suas normas no tocante ao culto. Uzias recebeu um juízo divino por seu modo equivocado de adorar a Deus, e é interessante que foi nesse ano em que ele morreu que Deus mostrou a Isaías em que consiste o verdadeiro culto, a verdadeira adoração.


Vivemos num mundo que não somente não adora a Deus, mas que também odeia os que adoram a Deus. Por meio da adoração nos elevamos acima dessa situação. Não devemos nos envergonhar de Deus numa sociedade que adora o dinheiro, a ciência, a tecnologia e o entretenimento. Nosso Deus é mais glorioso do que tudo isso.


A teoria da evolução - tão difundida em nosso tempo, mesmo em círculos cristãos - rouba de Deus a adoração que Lhe é devida como Criador. É uma forma de adorar a criatura. Nós, porém, adoramos a Deus reconhecendo Seu poder para criar todas as coisas, "de modo que aquilo que se vê não foi feito do que é visível" (Hb 11.3).


Uzias dera um péssimo exemplo ao povo de Deus por meio de sua adoração equivocada. Nós, cristãos, devemos evitar a influência do mundo no campo da adoração. Não podemos adaptar nossa adoração a Deus ao gosto mundano. Hoje proliferam as "apresentações" e "números" musicais nas igrejas e concede-se à música um destaque indevido, transformando cultos em espetáculos, em teatros, em danças, etc, usurpando de modo velado o lugar da proclamação da Palavra e outros elementos cultuais. No fundo, é uma forma de agradar ao mundo e à carne.


Atualmente vivemos num contexto de todo tipo de desvios do culto a Deus. O povo de Deus precisa de instrução a respeito da adoração que Deus realmente aceita.


Por outro lado, não podemos nos alienar completamente do contexto cultural de nosso tempo. Não podemos nem devemos impor o estilo puritano, por exemplo, em coisas e formas secundárias. Devemos ser contemporâneos sem contemporizar, alegres sem ser mundanos, flexíveis sem imitar o mundo (cf. Rm 12.2).


O que o mundo precisa ver no povo de Deus não é uma adoração que se adapte a seus moldes, mas sim uma adoração sincera, vibrante, consequente. Somente assim poderá ter da igreja a mesma percepção que os judeus tiveram a respeito dos Apóstolos: "ficaram admirados e reconheceram que eles haviam estado com Jesus" (cf. At 4.13).


A MOTIVAÇÃO PARA A ADORAÇÃO


"Eu vi o Senhor assentado num trono alto e exaltado, e a aba de sua veste enchia o templo" (Is 6.1).


O que levou Isaías clamar: "Ai de mim! Estou perdido!", e logo depois: "Eis-me aqui. Envia-me!" (Is 6.5,8)? É evidente que a visão de Isaías foi determinante para a sua reação. Podemos estar certos de que antes dessa visão Isaías já era um adorador. Sem dúvida ele sabia que "Grande é o SENHOR, e digno de todo louvor na cidade do nosso Deus" (Sl 48.1), e consequentemente procurava adorar a Deus de acordo com a medida de seu conhecimento de Deus. No entanto, aquela visão o fez adorar a Deus como nunca antes havia feito. Essa passagem não menciona especificamente que Isaías adorou a Deus, mas toda a sua atitude foi de uma profunda, reverente e consciente adoração.


Em nosso caso, o grau de espiritualidade e piedade de nossa adoração depende da "visão" que temos de Deus. Essa visão não é o resultado de experiências subjetivas, mas de um conhecimento de Deus tal como Ele se revela nas Escrituras. Nas palavras de A. W. Pink:


"Onde Deus é verdadeiramente conhecido é necessariamente adorado".


Uma coisa leva a outra. É interessante notar que Isaías não somente viu como também ouviu, e o que ouviu, tanto dos anjos quanto do próprio Deus, guiou a sua própria adoração de forma objetiva. Isso nos faz perceber a importância do aspecto experimental e do aspecto objetivo da adoração. Não basta sentir emoções na adoração: as emoções devem ter sua base e fundamento na revelação objetiva da Palavra de Deus.


É claro que nosso conhecimento de Deus não é meramente intelectual. É possível conhecer a Bíblia inteira intelectualmente e não conhecer a Deus. Em outras palavras, conhecer fatos sobre Deus não é a mesma coisa que conhecer o próprio Deus. Para que possamos experimentar esse conhecimento de Deus, Ele toma a iniciativa num processo de auto-revelação. Não foi Isaías que encontrou Deus no templo, foi Deus quem manifestou-se ao profeta num ato soberano. A eleição e o chamado eficaz de Deus constituem a base de um verdadeiro conhecimento e da verdadeira adoração: "Como são felizes aqueles que escolhes e trazes para ti, para viverem nos teus átrios! Transbordamos de bênçãos da tua casa, do teu santo templo!" (Sl 65.4). O que antes era privilégio somente de sacerdotes e levitas, hoje pertence a todo o povo de Deus.


Como podemos, pois, ter essa visão de Deus? Em primeiro lugar, Deus revela-se a Si mesmo abrindo os nossos olhos para que possamos vê-Lo na Escritura ("eu vi o Senhor"). Em segundo lugar, a visão de Deus nos leva a uma profunda convicção de pecado ("Ai de mim!"). Em terceiro lugar, a convicção de pecado nos leva, pela fé, à Cruz ("uma brasa viva, que havia tirado do altar"). E finalmente a fé viva nos leva à obediência ("Eis-me aqui. Envia-me!"). D. Peterson esclarece:


"A Bíblia diz que Deus nos conduz a um relacionamento com Ele para que possamos responder aceitavelmente ao Seu chamado". [10]


Ou, nas palavras de Oswald B. Milligan:


"Adoração é dar ao Senhor a glória que Lhe é devida em resposta ao que Ele nos revelou e ao que Ele fez por nós em Jesus Cristo".


No entanto, nem todos os crentes têm o mesmo grau de conhecimento de Deus, e isso, sem dúvida, afeta o modo como cada um O adora. Uma das características fundamentais da fé reformada é o elevado conceito de Deus, que estabelece o fundamento para um elevado conceito de adoração. Deus é "alto e exaltado". Não há consenso se essas palavras referem-se a Deus ou ao trono de Deus. Em todo caso, o trono não seria "alto e exaltado" se Aquele que nele se assenta não fosse. Alec Motyer observa o seguinte:


"O Senhor é alto em Sua própria natureza, exaltado pelo reconhecimento de Sua soberania".


Não há nada trivial, mundano ou comum no Deus que adoram os cristãos.


Isaías viu o Senhor, mas em sua visão somente as roupas e outros elementos circunstanciais são descritos, não o próprio Deus. Isso é muito importante, porque na adoração "vemos" Deus em Seus atributos mas não em Seu aspecto: Ele "habita em luz inacessível, a quem ninguém viu nem pode ver" (1Tm 6.16). E onde encontramos a descrição dos atributos de Deus, senão somente na Escritura? Rejeitemos, portanto, visões esotéricas e místicas que pretendem oferecer uma imagem "mais exata" ou mais perfeita de Deus. Paulo diz que "todos nós, que com a face descoberta contemplamos a glória do Senhor, segundo a sua imagem estamos sendo transformados com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é o Espírito" (2Co 3.18). A manifestação dessa glória


"É feita por meio da Palavra e do Espírito, cujo ofício é glorificar a Cristo, revelando Ele a nós". [12]


A figura do trono representa Deus imediatamente como Rei ou Juiz. A figura de um Ser dotado de poder absoluto deve produzir, necessariamente, temor. O Deus que adoramos tem poder sobre as nossas vidas e sobre o nosso destino, e isso deve inspirar a maior reverência no crente. Claro que o Rei, mediante Jesus Cristo, é também o nosso Pai, e portanto podemos nos aproximar "do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade" (Hb 4.16). Mas isso não nos dá permissão para uma familiaridade inconveniente e irreverente para com Deus e as coisas de Deus. É aos cristãos que é dito: "adoremos a Deus de modo aceitável, com reverência e temor, pois o nosso Deus é fogo consumidor" (Hb 12.28,29). Daí a exortação do Antigo Testamento: "Adorem a Deus com temor; exultem com tremor" (Sl 2.11).


Hoje, em muitos lugares, viceja um conceito de Deus como um ser bonachão, que ama todo mundo e jamais se ira com alguém. Essa figura do "Papai Noel do Céu" que sorri para todos e ignora o mal que há no ser humano, realmente é bem popular. Tal conceito de Deus conduz, inevitavelmente, a uma adoração superficial e sentimental, na qual Deus é tratado como o objeto de uma celebração festiva cujo objetivo é o prazer dos participantes.


No entanto, não é somente o conhecimento correto de Deus que deve motivar a nossa adoração: também Suas obras - especialmente a redenção - devem nos levar a prostrar-nos diante d'Ele. Isaías provavelmente sentiu-se muito agradecido quando a brasa viva tocou seus lábios, e a sua culpa e o seu pecado foram removidos (Is 6.7).


A redenção é um grande motivo para que adoremos a Deus. Pela pura graça de Deus fomos comprados com o sangue de Jesus (1Pe 1.18,19), e isso nos leva a adorar como servos (latreuo), não contra a nossa vontade, mas com a mais sincera gratidão: "Portanto, já que estamos recebendo um Reino inabalável, sejamos agradecidos, e assim adoremos a Deus" (cf. Hb 12.28).


Toda adoração baseada em motivos inferiores é indigna de Deus. A adoração é utilizada muitas vezes como uma espécie de escapismo, de fuga da realidade, para fugir dos problemas da vida. É como uma panaceia para todo tipo de males: uma "droga" espiritual que nos proporciona uma viagem dominical ao paraíso, do qual, desgraçadamente, deve-se retornar a tempo para a segunda-feira de manhã. Utiliza-se o erroneamente chamado "louvor" a fim de obter coisas de Deus. [13] É como se Deus fosse uma máquina caça-níqueis na qual introduzimos louvor esperando receber um prêmio em troca. Essa é a filosofia do chamado "Evangelho da Prosperidade". A experiência de Isaías, no entanto, foi bem diferente. Quando o profeta viu a glória de Deus, não disse: "Como sou abençoado por estar aqui!". Ao contrário, o que disse foi: "Ai de mim! Estou perdido!".


Segundo João, na verdade Isaías viu Jesus (Jo 12.41) e foi Jesus quem o profeta adorou. Cristo deve ser adorado por ser Deus e por ser o nosso Redentor. Cristo foi adorado na Terra (Mt 2.11; 14.33; 28.9,17; Jo 9.38) e é justo que continuemos a adorá-Lo agora que está no Céu. Hoje, no entanto, em muitos lugares, estão adorando o Espírito Santo em vez de adorar a Cristo. A Cruz e a redenção quase não são mencionadas, e toda a ênfase é colocada nos dons e demais manifestações sobrenaturais do Espírito Santo. A ênfase bíblica, no entanto, é adorar no Espírito, não adorar o Espírito.


A EXPRESSÃO DA ADORAÇÃO


"Acima dele estavam serafins; cada um deles tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, com duas cobriam os pés e com duas voavam" (Is 6.2).


Isaías não somente viu o Senhor e Seu trono e Suas vestes; também viu a adoração celestial efetuada por seres angélicos chamados serafins (isto é, afogueados ou resplandecentes). A razão de estarem incluídos na visão poderia ser mostrar a Isaías, mutatis mutandis, um modelo de como deve ser a atitude e a prática do crente ao adorar a Deus.


À luz deste versículo, consideraremos as lições que podemos deduzir desta visão no tocante à expressão da adoração.


Serviço


A palavra "estavam" no versículo 2 significa literalmente "estavam em pé" [14]. Isto parece indicar sua disposição para servir. Não estavam ali para contemplar ou representar um espetáculo, mas para servir seu Criador. Qualquer expressão que adotemos em nossa adoração que contradiga o nosso caráter de servos é espúria. Somos e sempre seremos o que serve (veja Lc 22.27). D. Paterson nos adverte:


"Algo vai muito mal quando as pessoas creem que auto-gratificação espiritual é adoração!" [15]


E, como somos exortados pelo Salmo 96.8, na adoração devemos trazer nossas ofertas e todo o nosso ser a Deus, não meramente assistir um espetáculo musical ou teatral.


Reverência


O fato dos serafins cobrirem seus rostos é, sem dúvida, um sinal de reverência. Apesar de serem santos, sem pecado, não se atreviam a olhar diretamente para Deus. A ênfase aqui não está no ato de ver a Deus (a Bíblia fala de certos homens escolhidos que "viram" Deus), mas sim em seu cuidado para não olhar o Ser diante de quem sentiam-se indignos - em outras palavras, a ênfase está em sua atitude reverente.


Todas as expressões de nossa adoração devem estar caracterizadas pela reverência. A Escritura nos exorta: "adoremos a Deus de modo aceitável, com reverência e temor" (Hb 12.28). Nas palavras de Frank Gabelein:


"A reverência é absolutamente essencial na adoração".


A reverência deve ser manifestada com ordem. A exortação bíblica é fazer tudo "com decência e ordem" (1Co 14.40). Paulo nos dá essa instrução no contexto da celebração da Ceia do Senhor, ou seja, num contexto de culto. Sem minimizar a importância da espontaneidade e da naturalidade, a adoração não deve ser praticada de modo desordenado, anárquico e desleixado. Os adoradores devem receber e transmitir a impressão de que aquilo que é feito no culto cristão não é o resultado de improvisação e descuido, mas uma obra que, como a aliança de Deus, é "firmada e garantida em todos os aspectos" (2Sm 23.5). Em todo culto cristão deve haver um equilíbrio saudável entre espontaneidade e ordem, entre emoção e profundidade. Hoje, por desgraça, muitos priorizam mais a espontaneidade e a emoção, deixando de lado a ordem e a profundidade.


A reverência exclui a indevida familiaridade, irreverência e desrespeito que são tão comuns em certos cultos. Mesmo os anjos, que estão muito mais próximos de Deus do que nós, não agem desse modo; muito menos devemos fazê-lo nós, os remidos, que, com tanta frequência, perdemos nossa comunhão com Deus devido a nossos pecados!


No entanto, infelizmente a adoração tem cada vez um caráter mais horizontal e menos vertical. Perde-se rapidamente a sensação de mistério e admiração e em seu lugar surge um tipo de reunião social cujo objetivo é fazer com que todo mundo sinta-se bem.


No capítulo 10 de Levítico lemos sobre a malfadada experiência de Nadabe e Abiú, filhos de Arão, quando ofereceram "fogo estranho" que o Senhor não havia ordenado. O resultado foi que "saiu fogo da presença do SENHOR  e os consumiu" (Lv 10.2). Não sabemos exatamente em que consistiu aquele "fogo estranho" ou profano, mas é evidente que aqueles sacerdotes praticaram uma adoração que não estava de acordo com a santidade de Deus e com a reverência que a Ele é devida. Daí a explicação dada por Moisés: "Foi isto que o SENHOR disse: Aos que de mim se aproximam santo me mostrarei; à vista de todo o povo glorificado serei" (Lv 10.3).


A reverência jamais deve ser o mero resultado de uma imposição ou de uma tradição. Já há muitas igrejas que praticam a "reverência" de um funeral por estarem espiritualmente mortas. Ao contrário, a reverência deve surgir de corações que conhecem e amam o Senhor. Como diz o poeta William Cowper:


"Ninguém reverencia o Senhor mais do que aquele que O conhece melhor".


A reverência devida a Deus na adoração sempre será coerente com o nosso conceito de Deus. A expressão da adoração deve estar intrinsecamente ligada à experiência interior dos adoradores. A adoração não começa no aspecto formal, mas na atitude interior.


Mistério


Do fato dos serafins cobrirem seus rostos podemos deduzir que o Ser de Deus não deve ser alvo da nossa curiosidade. Quando adoramos, não procuramos entender, procuramos louvar. Facilmente podemos cair no perigo de uma adoração baseada meramente em nossa própria imaginação, e então louvar um "deus" que só existe em nossas mentes (cf. Cl 2.18). O fato de que "o templo ficou cheio de fumaça" pode ser um sinal da barreira de mistério que cerca a Deus, visto que Ele "habite em luz inacessível, a quem ninguém viu nem pode ver" (1Tm 6.16).


Humildade


Os serafins cobriam não somente seus rostos, mas também seus pés. Os pés são representados nas Escrituras como instrumentos que utilizamos no serviço a Deus (cf. Is 52.7). Poderia haver aqui uma referência à ocultação de qualquer mérito que pudesse nos tornar "aceitáveis" a Deus (Rm 9.16)? Nossas obras não nos tornam aceitáveis a Deus, nem na adoração nem em qualquer outro aspecto. Mesmo as virtudes dos anjos são somente o fruto da graça do Criador.


Obediência


Os serafins contavam com um terceiro par de asas, que utilizavam para voar. Aqui é quase inevitável pensar na rapidez e na diligência com que os anjos executam a vontade de Deus (Hb 1.7). A adoração não consiste de um exercício extático ou contemplativo, mas sim de uma atitude submissa e obediente que procura fazer a vontade de Deus. Dizia o Dr. Lloyd-Jones que a Igreja não é uma enfermaria, mas sim um quartel, isto é, o lugar onde recebemos as ordens do Senhor por meio de Sua Palavra. Calvino também afirma:


"Entendo por adoração, a veneração e o culto que cada um de nós oferece a Deus quando se submete à Sua grandeza; e por isso, não sem razão, parte da adoração consiste em submeter nossas consciências à Lei de Deus". [16]


Incompreensível para o mundo


Algumas das ações dos serafins podem parecer um tanto estranhas e até mesmo incompreensíveis para Isaías; no entanto, eles não modificaram sua maneira de adorar para que o profeta se sentisse mais à vontade. Um grave erro de muitas igrejas é querer adaptar a adoração ao gosto dos visitantes não-crentes, para que estes sintam-se mais à vontade. Assim, as bodas e os funerais são transformados, muitas vezes, em meros atos evangelísticos sem muita relação com o motivo principal de tais eventos. E mesmo alguns cultos dominicais sofrem tais transformações pelo mesmo motivo. Devemos ser sensíveis aos não-crentes em nossos cultos? Sim. Devemos adaptar o culto para torná-lo mais aceitável ou agradável ao mundo? Não.


Expressões físicas


Além disso, em nosso texto não encontramos referências a outras expressões físicas na adoração dos serafins, o que não deixa de ser interessante, tendo em vista o contexto do Antigo Testamento em que teve lugar a visão e o local da visão (o templo), em cujas dependências dava-se tanta importância a elementos externos. Temos aqui uma antecipação do que viria a ser a adoração neotestamentária, "em Espírito e em verdade" (Jo 4.23,24; Fp 3.3). Daí a exortação de Pedro: "Vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas na edificação de uma casa espiritual para serem sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo" (1Pe 2.5).


O catolicismo romano, obviamente, não percebeu essa transição neotestamentária que enfatiza a espiritualidade da adoração. Por isso o uso de vestes especiais, de incenso, de apresentações artísticas, de ornamentação exagerada dos locais dedicados ao culto. Mas em algumas igrejas evangélicas parece estar acontecendo um tipo de involução, como um retorno a formas de adoração baseadas no Antigo Testamento e, pior, no romanismo, tais como certos tipos de música, danças, encenações dramáticas, etc. [17]


Para a prática de levantar as mãos na adoração Herbert Carson vê apoio bíblico tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. [18] Outros, no entanto [19], pensam que o ato de levantar as mãos estava associado com a adoração no templo e, portanto, é desnecessária para os crentes do Novo Testamento. É interessante notar que no Antigo Testamento o ato de erguer as mãos acompanhava, às vezes, o ato de ajoelhar-se (Ne 8.6), bem diferente da prática moderna.


Em certos círculos o louvor musical está sendo acompanhado por dança, justificando tal prática com exemplos do Antigo Testamento. Para um estudo mais profundo sobre o assunto, recomendo a leitura do livro de Brian H. Edwards, Shall we Dance?, de Evangelical Press. Aqui nos limitaremos a dizer que a dança veterotestamentária era praticada principalmente por mulheres e por motivo de vitórias militares de Israel. Não era uma atividade cúltica propriamente dita. Pelo contrário, a dança (de ambos os sexos) no culto é mais um obstáculo à adoração do que qualquer outra coisa, e ainda pode despertar desejos lascivos.


No melhor dos casos, as expressões físicas na adoração devem "ser consideradas sempre como inteiramente subordinadas à atividade espiritual. Dar a elas uma indevida proeminência, ou concentrar-se no que é feito com mãos e pés, é desviar-se para um culto de aparências, estéril e meramente formal". [20]


Personagem principal


Devemos notar que a descrição do versículo 2 é periférica e subordinada à cláusula central ("vi o Senhor"). Em outras palavras, Deus é o personagem principal, o motivo central de toda a cena. Lamentavelmente, certas formas de adoração tendem a obscurecer esse fato. Existe na adoração moderna o perigo das personagens humanas serem consideradas as principais em cena. Às vezes, o pregador (ou o "dirigente do culto") assume o papel de um apresentador de televisão ou de um animador de auditório, tornando-se o centro das atenções, deixando a Deus o papel de um "ator convidado" que recebe uma breve saudação de boas-vindas. Que desvio tremendo do fato de que Deus é o divino anfitrião que nos recebe em Sua casa! Os Apóstolos e os anjos entenderam que seu papel era totalmente secundário (At 10.26; Ap 19.10; 22.8,9). Uma "igreja" sem raízes, sem nenhuma ligação com a Reforma, tem trocado os "santos" de gesso e madeira por outros de carne e osso.


Flexibilidade


Há princípios bíblicos de adoração que são inegociáveis, mas isso não impede um certo grau de adaptação às diferentes culturas, países e épocas. Portanto, a adoração no terceiro milênio será uma adoração contextualizada. Tão revolucionária foi a música da Reforma diante dos cantos gregorianos como os hinos de Isaac Watts diante da salmódia de seus contemporâneos. Tão diversas são as formas de adoração do Ocidente com respeito ao Oriente quanto as dos países mais desenvolvidos em relação aos menos desenvolvidos. [21]


Estética


A visão de Isaías foi esteticamente bela. O trono, as vestes, o templo, os serafins, as portas, a névoa, tudo formava um conjunto harmonioso. Já falamos sobre a natureza espiritual da adoração e seria contraditório prestar demasiada atenção a aspectos estéticos como a decoração dos lugares de culto. O catolicismo romano e outras religiões caíram nesse erro, com suas catedrais e edifícios imponentes. É curioso notar que algumas igrejas chamam o lugar do culto de "templo", mesmo que seu aspecto não se pareça muito a um templo no sentido clássico da palavra, e sempre existe a tentação de dar uma importância exagerada aos edifícios e aos ornamentos. Os cristãos primitivos, como sabemos, nada sabiam sobre edifícios especiais, mas reuniam-se em casas de famílias (Rm 16.5; 1Co 16.19; Cl 4.15; Fm 2). O Apóstolo Paulo rejeita a ideia de que Deus possa habitar em templos feitos por mãos humanas (At 17.24,25).


No entanto, corremos o risco de ir ao extremo oposto e descuidar do aspecto externo de nossos lugares de culto, ou de construí-los toscamente, de modo desagradável à vista. Nossos lugares de culto devem ser esteticamente atraentes, sem cair no luxo e na ostentação, e servir de ajuda e não de obstáculo para a adoração. Não esqueçamos que, ainda que adoramos "em Espírito", o fazemos em nossos corpos de carne e osso!


O dia de repouso


Não sabemos se a visão de Isaías aconteceu no dia de repouso ou durante alguma festa do calendário judeu, ou, simplesmente, em um dia qualquer. Para o crente neotestamentário não faz diferença, já que toda a sua vida deve ser uma vida de adoração. Mas seria simplório de nossa parte igualar todos os dias da semana no tocante à adoração. Calvino comenta a respeito do dia de repouso:


"É tão difícil guardar a ordem e a conveniência sem essa precaução de certos dias determinados, que se os tais não existissem, logo veríamos grandes perturbações e confusões na Igreja". [22]


O Senhor ressuscitou e apareceu várias vezes a Seus discípulos no domingo. João encontrou-se "em Espírito" no dia do Senhor (Ap 1.10). Os discípulos se reuniam no primeiro dia da semana para partir o pão (At 20.7). No primeiro dia da semana as ofertas eram recolhidas (1Co 16.2).


O dia de repouso, portanto, deve ser o dia de adoração por excelência para o cristão. Nenhum crente deveria faltar sem um motivo sério ao seu encontro semanal com o povo de Deus para adorar o Senhor. E isso não somente no culto em si, mas durante todo o dia do Senhor.


Importância da forma


Finalmente, não é possível minimizar a importância do modo - a forma externa - como expressamos nossa adoração. Certamente Deus vê, antes de tudo, o coração dos adoradores. Mas o aspecto externo costuma ser um reflexo da atitude interior. Se lembrarmos que Deus não viu com agrado a oferta vegetal de Caim, e que fulminou Uzá por ter tocado a arca, talvez começaremos a dar mais importância ao modo como adoramos a Deus.


NOTAS


[1] Catecismo Menor de Westminster, resposta à pergunta 1.
[2] Reformation Today, nº 149, janeiro-fevereiro de 1996.
[3] New Dictionary of Theology, p. 730.
[4] Halleluja!, p. 7.
[5] Engaging with God, p. 18.
[6] Citado por D. Peterson: Engaging with God, p. 19.
[7] Ibid., p. 15.
[8] Citações da revista Letra Viva (Espanha).
[9] D. Peterson: Engaging with God, p. 26.
[10] Ibid., p. 19.
[11] Motyer: The Prophecy of Isaiah, p. 76.
[12] Charles Hodge: An Exposition of 1 and 2 Corinthians, p. 247 (Sovereign Grace Publishers, 1974). Existe uma versão desse livro publicada em espanhol por El Estandarte de la Verdad.
[13] Veja-se o livro De la prisión a la alabanza, por Merlin Carothers (Editorial Vida, 1975).
[14] Cf. La Biblia de las Américas, Isaías 6.2, nota marginal.
[15] D. Peterson, Engaging with God, p. 17.
[16] Instituição da Religião Cristã, II, VIII, 16.
[17] Alfonso Ropero: "Palmadas en la Adoración", revista Nueva Reforma, nº 12 (janeiro de 1990).
[18] Herbert Carson: Halleluja!, pp. 65-66.
[19] Sword and Trowel nº 99/1, artigo "Why Raise Hands?".
[20] Herbert Carson: Halleluja!, p. 69.
[21] Cf. a introdução do hinário Praise!, por Brian Edwards e outros.
[22] Instituição da Religião Cristã, II, VIII, 32.


FONTE: Primeira parte do artigo Una fe que lleva a la adoración, capítulo 4 do livro:
PUIGVERT, Pedro (org.). Una Fe para el III Milenio: El Cristianismo histórico: lo que es y lo que implica. Moral de Calatrava (Ciudad Real): Peregrino, 2002, pp. 148-173. A segunda parte deste artigo será publicada em breve, querendo Deus, neste blog. Ela contém os seguintes subtítulos: "O conteúdo da adoração", "Os efeitos da adoração" e "As consequências da adoração". Traduzido do espanhol por F. V. 

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