segunda-feira, 13 de abril de 2009

A VIDA PARA CRISTO: O EXEMPLO DE PAULO

1. A Extraordinária Relevância de Paulo

É tarefa quase impossível escrever algo original a respeito do Apóstolo Paulo. Tantos foram os livros, artigos, ensaios, tratados e obras em geral escritos sobre o “Apóstolo da Graça” que se corre o sério risco de parecer redundante ao colocar-se diante do teclado para escrever, ainda mais quando se é um reles seminarista, “pobre, cego, ignorante e nu”! Mas, por outro lado, pesquisar e escrever sobre Paulo é um prazer! Deleitamos-nos em seus feitos, em suas assertivas apaixonadas, em sua tenacidade, em sua total e absoluta entrega ao seu Senhor que o conquistou naquela estrada poeirenta para Damasco. Ao acompanhá-lo em suas viagens pela pena de Lucas ou ao ouvi-lo em suas epístolas, não podemos deixar de nos alegrar com suas vitórias e de nos entristecer juntamente com ele em suas decepções e frustrações. E descobrimos que Paulo é humano, e que mesmo nós, que vivemos mergulhados numa sociedade hedonista e relativista, poderemos, quem sabe, experimentar o mesmo Poder espiritual que o transformou de fariseu perseguidor no maior (ou menor, como ele gostaria de ser chamado?) de todos os Apóstolos de Jesus Cristo. Se os cristãos hodiernos desejassem entregar-se a Cristo como Paulo se entregou! Se os cristãos hodiernos – se nós desejássemos nos gastar por Cristo como Paulo se gastou! Sua vida e sua teologia – entrelaçadas, unificadas, em dependência mútua – são um desafio para nós. Isaltino Gomes Coelho Filho escreveu a respeito de Paulo: “Queira Deus que ousemos ser cristãos radicais e serviçais como ele o foi. Este é o grande desafio de Paulo aos cristãos atuais: amar a Cristo e viver e estar disposto a morrer por ele”. (1)
É por isso que Paulo é absolutamente relevante para nós, como discípulos de Cristo (e leitores de Paulo) no século XXI.

2. Sua Vida Antes de Cristo e sua Conversão

Jesus é um divisor de águas na História da humanidade. Nosso calendário começa no (suposto) ano de Seu nascimento. Ele dividiu a História em antes e depois de Cristo, e dividiu também a história de nossas vidas em antes e depois de conhecê-lo.
E certamente foi assim com Paulo.
Nascido em Tarso, “cidade não insignificante” (cf. At 21.39, ARA) da Cilícia, província romana a nordeste do mar Mediterrâneo, o jovem Saul (esse era seu nome hebreu, e é assim que Jesus o chama em At 9.4) teve acesso a uma cultura cosmopolita, confluência dos mundos grego, romano e oriental, e centro financeiro importante, inclusive contando com um cais bem estruturado e eficiente (para os padrões da época), banhado pelo rio Cnido. Contava com muitas escolas onde seus cidadãos aprendiam retórica, matemática, ética, gramática e música. O próprio César Augusto havia sido educado por Atenodoro de Tarso, e escolhera outro educador daquela cidade para ser mestre de seu filho. Havia ali muitos prédios importantes, bem como estádios e ginásios, onde gregos e romanos participavam de competições atléticas. Rota entre o ocidente e o oriente, Tarso era realmente uma cidade importante. (2)
Hoje é lembrada unicamente por ter sido o berço do Apóstolo Paulo.
Do próprio Paulo temos nuances de sua esmerada educação, seja nos primeiros anos em Tarso, seja em Jerusalém, onde foi discípulo do grande rabino Gamaliel (At 22.3), que por sua vez era discípulo (ou filho, ou neto, como querem algumas tradições) de Hillel, fundador de uma escola rabínica que ensinava que o julgamento divino estava relacionado à preponderância do bem ou do mal na vida inteira de uma pessoa – bem diferente do que ensinava a outra escola famosa da época, a escola de Shammai, muito mais rígida em sua interpretação da Lei e em suas exigências (3). Seja como for, Gamaliel aparece na Bíblia como homem sensato e contemporizador, bem diferente do que seria seu jovem discípulo Saulo (cf. At 5.34-40). É em suas epístolas, e em alguns trechos de Atos, que o Apóstolo abre seu coração e revela suas ações passadas, movidas por um caráter não regenerado:
“Se alguém pensa que tem razões para confiar na carne, eu ainda mais: circuncidado no oitavo dia de vida, pertencente ao povo de Israel, à tribo de Benjamim, verdadeiro hebreu; quanto à Lei, fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na Lei, irrepreensível” (Fp 3.4-6). (4)
“Persegui os seguidores deste Caminho até a morte, prendendo tanto homens como mulheres e lançando-os na prisão...” (At 22.4).
“Eu respondi: Senhor, estes homens sabem que eu ia de uma sinagoga a outra, a fim de prender e açoitar os que crêem em ti” (At 22.19).
“Eu também estava convencido de que deveria fazer todo o possível para me opor ao nome de Jesus, o Nazareno. E foi exatamente isso que fiz em Jerusalém. Com autorização dos chefes dos sacerdotes lancei muitos santos na prisão, e quando eles eram condenados à morte eu dava o meu voto contra eles. Muitas vezes ia de uma sinagoga para outra a fim de castigá-los, e tentava forçá-los a blasfemar. Em minha fúria contra eles, cheguei a ir a cidades estrangeiras para persegui-los” (At 26.9-11).
“Pois sou o menor dos apóstolos e nem sequer mereço ser chamado apóstolo, porque persegui a igreja de Deus” (1Co 15.9).
“Vocês ouviram qual foi o meu procedimento no judaísmo, como perseguia com violência a igreja de Deus, procurando destruí-la. No judaísmo, eu superava a maioria dos judeus da minha idade, e era extremamente zeloso das tradições dos meus antepassados” (Gl 1.13,14).
“... a mim que anteriormente fui blasfemo, perseguidor e insolente...” (1Tm 1.13a).
Lucas também descreve a conduta de Paulo no judaísmo perseguidor, corroborando as informações do próprio Apóstolo:
“Saulo, por sua vez, devastava a igreja. Indo de casa em casa, arrastava homens e mulheres e os lançava na prisão” (At 8.3).
“Enquanto isso, Saulo ainda respirava ameaças de morte contra os discípulos do Senhor. Dirigindo-se ao sumo sacerdote, pediu-lhe cartas para as sinagogas de Damasco, de maneira que, caso encontrasse ali homens ou mulheres que pertencessem ao Caminho, pudesse levá-los presos para Jerusalém” (At 9.1,2).
Shaul, Saul ou Saulo, o jovem hebreu apaixonado pela religião de seu povo e “extremamente zeloso” das tradições de seus antepassados, muito bem instruído na Torá, certamente destacou-se dentre os discípulos de Gamaliel. Porém sua educação não limitou-se ao conhecimento rabínico de seu povo; aquele era um judeu cosmopolita. Nascido cidadão romano (cf. At 22.22-29), o jovem Paulo (seu nome latino) soube tirar partido também de sua herança imperial. Além do hebraico e aramaico, aprendeu o grego, e possivelmente o latim. Como de praxe na educação judaica, aprendeu também uma profissão manual, e tornou-se fazedor de tendas (cf. At 18.3), ofício do qual muito se valeu durante suas jornadas missionárias. Saulo abraçou o farisaísmo (bem de acordo com sua personalidade e temperamento, aliás), “a seita mais severa da nossa religião”, como ele mesmo a descreveu ao rei Agripa (At 26.5). E certamente o fato de ser fariseu, e possivelmente membro do Sinédrio, era sem dúvida um motivo de orgulho para Saulo. Mesmo depois de sua conversão, ele, com muita inteligência, soube aproveitar-se de sua condição de fariseu (cf. At 23.6-10). (5)
Como fariseu, e dentro do judaísmo de sua época, Saul tinha um futuro brilhante pela frente. Mas o que para ele era lucro, passou a considerar como perda, depois de conhecer o brilho infinitamente maior dAquele que o chamou na famosa estrada para Damasco (cf. Fp 3.4-8). Muitas tentativas foram feitas por inúmeros pesquisadores – psicólogos, historiadores, teólogos liberais e afins – para tentar explicar a conversão de Paulo em termos “racionais”, eliminando o caráter sobrenatural do evento. Como homens não ressuscitam, certamente ele não teve um encontro real com Cristo! Desenterraram Estêvão para dizer que a consciência culpada de Paulo (cf. At 22.20) o levou a ter uma espécie de crise naquela estrada, culminando com um delírio (Dawkins???) ou alucinação. A própria Bíblia afirma que mesmo após o apedrejamento de Estêvão, Paulo ainda “respirava ameaças de morte” (At 9.1) contra os cristãos, e nem por um momento vemos em suas asseverações (algumas alistadas acima) ou no livro de Atos o menor sinal de remorso – não, antes daquele encontro na estrada, Paulo era um homem determinado a cumprir sua missão, que era, simplesmente, perseguir e destruir os seguidores do “Caminho”. A verdade é que nenhuma explicação psicológica ou liberal (ou neoliberal, ou neo-ortodoxa, ou outra aberração pseudoteológica semelhante) basta para explicar o evento na estrada para Damasco. O encontro com Jesus Cristo ressurreto mudou para sempre os planos, os sonhos, os objetivos e a vida inteira de Saul, o fariseu de Tarso.


3. Sua entrega total a Cristo

No passado distante, Deus levantou um rei para seu povo, o rei que o povo gostaria de ter. Tratava-se de um jovem alto, de porte atlético e apto para a arte da guerra, chamado Saul, da tribo de Benjamim. Ele destacou-se entre os demais jovens de sua geração e nos primeiros anos de seu reinado livrou Israel de seus inimigos. No fim, porém, voltou-se contra o Deus que o colocara no trono e mais tarde acabou substituído por outro rei, Davi, da tribo de Judá, cujo trono o Senhor prometeu firmar para sempre sobre Israel.
Chegada a “plenitude dos tempos” (cf. Gl 4.4), o prometido descendente de Davi, o Messias, da tribo de Judá, vem “tabernacular” entre o seu povo (cf. Jo 1.14). Após cumprir Sua missão na Terra, Ele retorna para os céus, de onde “voltará da mesma forma como o viram subir”, como disse o anjo (cf. At 1.11). E então Deus levanta seus apóstolos – e dentre eles um homem chamado Saul, da tribo de Benjamim, que destacava-se dentre os jovens de sua geração. Não era alto nem tinha porte atlético, a julgar pelos Atos de Paulo, apócrifo mui interessante. Mas era apto para a arte da guerra espiritual e extremamente hábil no manejo da Palavra de Deus, que corta mais profundamente do que qualquer espada romana. Os homens podem fracassar, mas o Senhor da História jamais fracassará.
Paulo entregou-se totalmente a Cristo. Não houve uma mudança gradual, uma conversão “processual” na experiência paulina. Ele saiu de Jerusalém como Saulo o fariseu perseguidor, e chegou em Damasco como outro homem. No instante mesmo em que foi atingido pelo clarão cegante, já soube o que estava acontecendo: sua mente ágil, seu intelecto privilegiado, seu conhecimento escriturístico e sua perspicácia imediatamente fizeram-lhe saber o que estava acontecendo ali. Tão perplexo estava, no entanto, que começou a esboçar a pergunta, a qual ele mesmo deu a reposta: “Quem és tu, Senhor?” (cf. At 9.5). “Na tradição rabínica, uma voz do céu como essa seria considerada a voz do próprio Deus. A repetição solene do nome de Saulo e a luz brilhante lhe mostraram que era possível estar na presença da deidade” (6).
Saulo foi conquistado por Cristo. Ali naquela estrada, ele percebeu que tudo o que ele era – hebreu de hebreus, fariseu, membro do Sinédrio, cidadão romano, equipado com a cultura mais avançada de sua época – reduzia-se a nada diante daquele esplendor ofuscante. Tudo o que ele conquistara na vida reduzia-se a nada diante daquela voz poderosa que o questionava. Todos os seus sonhos, seus planos e seu projeto de vida caíram por terra naquele instante. Pobre, miserável, cego e nu – mergulhado nas trevas da cegueira, Paulo viu claramente sua condição abjeta e miserável diante dAquele que lhe aparecera.
“Saulo falaria disso mais tarde como a última das aparições de Jesus aos seus seguidores após a ressurreição (1Co 15.8). (...) Para o rabino de Tarso, era concedida uma entrevista com o Cristo ressurreto”(7).
Nesse dia Saulo morreu. Morreu o hebreu de hebreus, morreu o fariseu, morreu o sábio, morreu o rabino, morreu o membro do Sinédrio, morreu o cidadão romano. A vida de Saulo de Tarso terminou naquela estrada, sob o fulgor daquela luz. A partir daí, “fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2.20). A partir daí, “que eu jamais me glorie, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio da qual o mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo” (Gl 6.14).
A partir daí nasceu “Paulo, escravo de Cristo Jesus, chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deus” (cf. Rm 1.1).
Não mais o digníssimo membro do Sinédrio, mas o escravo de Cristo Jesus. Não mais o rabino de Tarso, discípulo de Gamaliel, mas aquele que fora chamado para ser apóstolo. Não mais o fariseu – agora ele havia sido separado para o evangelho de Deus.
Como ele viveu a partir daí? Novamente ele mesmo responde a partir de suas epístolas (note bem a força destas asseverações, colocadas em seqüência):
“Porque me parece que Deus nos colocou a nós, os apóstolos, em último lugar, como condenados à morte. Viemos a ser um espetáculo para o mundo, tanto diante de anjos como de homens. Nós somos loucos por causa de Cristo, mas vocês são sensatos em Cristo! Nós somos fracos, mas vocês são fortes! Vocês são respeitados, mas nós somos desprezados! Até agora estamos passando fome, sede e necessidade de roupas, estamos sendo tratados brutalmente, não temos residência certa e trabalhamos arduamente com nossas próprias mãos. Quando somos amaldiçoados, abençoamos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, respondemos amavelmente. Até agora nos tornamos a escória da terra, o lixo do mundo” (1Co 4.9-13).
“Vocês não sabem que aqueles que trabalham no templo alimentam-se das coisas do templo, e que os que servem diante do altar participam do que é oferecido no altar? Da mesma forma, o Senhor ordenou àqueles que pregam o evangelho, que vivam do evangelho. Mas eu não tenho usado de nenhum desses direitos (...). Qual é, pois, a minha recompensa? Apenas esta: que, pregando o evangelho, eu o apresente gratuitamente, não usando, assim, dos meus direitos ao pregá-lo. Porque, embora seja livre de todos, fiz-me escravo de todos, para ganhar o maior número possível de pessoas. Tornei-me judeu para os judeus, a fim de ganhar os judeus (...) Para os que estão sem lei, tornei-me como sem lei (embora não esteja livre da lei de Deus, e sim sob a lei de Cristo), a fim de ganhar os que não têm a Lei. Para com os fracos, tornei-me fraco, para ganhar os fracos. Tornei-me tudo para com todos, para de alguma forma salvar alguns. Faço tudo isso por causa do evangelho, para ser co-participante dele” (1Co 9.13-15, 18-20a, 21-23).
“Se enlouquecemos, é por amor a Deus; se conservamos o juízo, é por amor a vocês. Pois o amor de Cristo nos constrange, porque estamos convencidos de que um morreu por todos; logo, todos morreram. E ele morreu por todos para que aqueles que vivem já não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou. De modo que, de agora em diante, a ninguém mais consideramos do ponto de vista humano. Ainda que antes tenhamos considerado Cristo dessa forma, agora já não o consideramos assim. Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!” (2Co 5.13-17).
“Não damos motivo de escândalo a ninguém, em circunstância alguma, para que o nosso ministério não caia em descrédito. Ao contrário, como servos de Deus, recomendamo-nos de todas as formas: em muita perseverança; em sofrimentos, privações e tristezas; em açoites, prisões e tumultos; em trabalhos árduos, noites sem dormir e jejuns; em pureza, conhecimento, paciência e bondade; no Espírito Santo e no amor sincero; na palavra da verdade e no poder de Deus; com as armas da justiça, quer de ataque, quer de defesa; por honra e por desonra; por difamação e por boa fama; tidos por enganadores, sendo verdadeiros; como desconhecidos, apesar de bem conhecidos; como morrendo, mas eis que vivemos; espancados, mas não mortos; entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas enriquecendo muitos outros; nada tendo, mas possuindo tudo” (2Co 6.3-10).
Falando dos “superapóstolos” que os coríntios tanto prezavam e que se gloriavam comparando-se com Paulo, ele replica: “São eles hebreus? Eu também. São israelitas? Eu também. São descendentes de Abraão? Eu também. São eles servos de Cristo? – estou fora de mim para falar dessa forma – eu ainda mais: trabalhei muito mais, fui encarcerado mais vezes, fui açoitado mais severamente e exposto à morte repetidas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus trinta e nove açoites. Três vezes fui golpeado com varas, uma vez apedrejado, três vezes sofri naufrágio, passei uma noite e um dia exposto à fúria do mar. Estive continuamente viajando de uma parte a outra, enfrentei perigos nos rios, perigos de assaltantes, perigos dos meus compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar e perigos dos falsos irmãos. Trabalhei arduamente; muitas vezes fiquei sem dormir, passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em jejum; suportei frio e nudez. Além disso, enfrento diariamente uma pressão interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas. Quem está fraco, que eu não me sinta fraco? Quem não se escandaliza, que eu não me queime por dentro? Se devo orgulhar-me, que seja nas coisas que mostram a minha fraqueza. O Deus e Pai do Senhor Jesus, que é bendito para sempre, sabe que não estou mentindo. Em Damasco, o governador nomeado pelo rei Aretas mandou que se vigiasse a cidade para me prender. Mas de uma janela na muralha fui baixado numa cesta e escapei das mãos dele” (2Co 11.22-33).
“Por isso, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco é que sou forte” (2Co 12.10).
“Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.12,13).
Isso tudo se parece com o modo como vivem aqueles que hoje se proclamam “apóstolos”? Isso se parece com o modo como vive a maioria dos cristãos de hoje em dia? Se parece com o que é pregado, ensinado e vivenciado na maioria das igrejas “evangélicas”? Se parece com o modo como vivemos nós?
Existe cristianismo autêntico hoje, como podemos ver claramente em Paulo? Existe cristianismo autêntico em nossas vidas? Podemos dizer, como Paulo: “Já não vivo eu, mas Cristo vive em mim”? Podemos afirmar juntamente com ele: “fiz-me escravo de todos”???
Se não podemos, precisamos urgentemente rever nosso Cristianismo!



4. O Impacto de Paulo na vida da Igreja, hoje

A identificação de Paulo com Cristo foi tão grande que ele não pôde fazer menos do que identificar a Igreja como o “corpo” de Cristo. Essa é a metáfora mais distintiva de Paulo para a Igreja, enfatizando a unidade dos crentes com Cristo e a interdependência e relação dos crentes uns com os outros. Essa solidariedade dos crentes com seu Senhor é claramente um reflexo da doutrina do próprio Jesus (cf. Mt 10.40; 25.40) e da experiência cristã de Paulo. Ele preserva uma clara distinção entre a Igreja e Cristo, porém utiliza a metáfora de “corpo de Cristo” para descrever o tipo de vida e atividade que a Igreja deve exercer no mundo. Ele muda um pouco essa idéia nas epístolas da prisão, onde descreve Cristo como o cabeça do corpo (Ef 4.15; Cl 1.18), de onde o corpo obtém seu crescimento (Cl 2.19). Com isto ele pretende assentar claramente a dependência absoluta da Igreja, por toda a sua vida e desenvolvimento, de Cristo. Além disso chama Cristo de “cabeça” para ressaltar Sua supremacia sobre todas as coisas (Ef 1.22). Ora, há um corpo, não muitos “corpos” de Cristo. Para Paulo, existe somente uma Igreja, porque há somente um Cristo (Ef 4.4-6). Esta unidade, porém, subsiste em inesgotável diversidade, como a metáfora do corpo nos ensina. É uma unidade que exclui toda e qualquer divisão (1Co 1.13), que se expressa em preferência humilde de um para com o outro (Rm 12.3); em amor e afeição mútuos (1Co 12.25,26) e destrói todo preconceito racial, social, sexual, cultural ou econômico (Gl 3.26-28; Ef 2.16), excluindo aberrações doutrinárias e religiosas (Cl 2.18,19). (8)
Essa unidade inquebrantável da Igreja somente existe por causa de Cristo, porque a Igreja também morreu com Cristo, foi crucificada com Cristo, e já não vive mais para si mesma, mas para Cristo. Essa unidade somente é possível porque o mundo foi crucificado para a Igreja, e a Igreja, para o mundo. Essa unidade somente é possível porque um morreu pela Igreja, portanto, a Igreja morreu para si a fim de viver para Cristo. Essa unidade somente é possível porque o amor de Cristo constrange a Igreja e faz com que a Igreja desempenhe na Terra o papel de Cristo.
Em outras palavras, a Igreja somente é viável se viver como Igreja, se viver como Paulo viveu. Em suas epístolas temos a descrição fiel da vida para Cristo.



5. Conclusão

A Igreja precisa sair para fora de si mesma, assim como Paulo saiu para fora de si mesmo. Precisamos, como Igreja, esvaziar-nos de nós mesmos para encher-nos do Espírito Santo, do Espírito de Cristo. Há muito a aprender com Paulo.
A teologia paulina é a teologia da cruz, da morte do eu e da vida para Cristo e para os outros. É a teologia da fé, da esperança e do amor, porque Cristo nos concede tudo isso e muito mais. A vida de Paulo é uma demonstração contundente de sua teologia. Ele viveu o que ensinou, o que pregou. Sua morte é também uma demonstração de sua teologia. Ele morreu do modo como viveu – Paulo anulado, Paulo cancelado, Paulo conquistado por Cristo. E ao mesmo tempo Paulo rico, riquíssimo – dono do maior tesouro de todos os tempos: Jesus. Por amor a Cristo ele sofreu a perda de todas as coisas – mas achou um tesouro, como diz a letra da música “Por amor a Cristo”, de Adhemar de Campos (faixa 2 do CD Cantando a Palavra, em comemoração aos 50 anos da Sociedade Bíblica do Brasil). Esse tesouro é Jesus, o “tudo” de Paulo.
“Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão-somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus” (At 20.24).
“Eu já estou sendo derramado como uma oferta de bebida. Está próximo o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a corrida, guardei a fé. Agora, me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda” (2Tm 4.6-8).
Paulo identificou-se com seu Senhor que o conquistou na estrada para Damasco a ponto de proclamar: “trago em meu corpo as marcas de Jesus” (cf. Gl 6.17). Se a Igreja é o corpo de Cristo, precisa mostrar também essas marcas. Se quisermos ser verdadeiros discípulos de Cristo como Paulo foi, precisamos mostrar ao mundo as marcas de Cristo em nossas vidas. Campbel Morgan, citado por John Stott, escreveu: “Só o homem crucificado pode pregar a cruz. (...) Só o homem que morreu com Cristo pode pregar a cruz de Cristo” (9).
Paulo certamente foi esse homem, e nós também precisamos sê-lo, se quisermos ser verdadeiramente parte do corpo de Cristo, a Igreja.
O Apóstolo foi executado sob Nero, em Roma, após uma vida de serviço abnegado e extraordinário ao seu Senhor e Salvador. Mas ele continua falando hoje, dois mil anos depois, e nos ensinando a viver a vida cristã. Sua memória viverá para sempre, enquanto houver mundo, enquanto houver Igreja. Paulo foi decapitado por ordem do Imperador de Roma – o homem mais poderoso de sua época - mas recebido na glória celestial do Rei do Universo, o Deus Onipotente. Condenado por um déspota insano, recebido pelo Senhor da Glória. E sobre a condenação do Apóstolo de Cristo por um imperador romano, T.R. Glover comentou que viria o dia em que as pessoas chamariam seus cachorros de Nero – e seus filhos de Paulo. (10)



NOTAS

(1). REGA, Lourenço Stelia (org.). Paulo, sua vida e sua presença ontem, hoje e sempre. São Paulo: Editora Vida, 2004. p. 31.
(2). BALL, Charles Ferguson. A Vida e os Tempos do Apóstolo Paulo. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 1998. p. 7-11.
(3). BRUCE, F.F. Paulo: o apóstolo da graça, sua vida, cartas e teologia. São Paulo: Shedd Publicações, 2003. p. 44-46.
(4). Todas as citações bíblicas, salvo indicação em contrário, são da Nova Versão Internacional (NVI), publicada pela Sociedade Bíblica Internacional e pela Editora Vida.
(5). Cf. o ensaio de Luiz Alberto Sayão, in REGA, Lourenço Stelio (org.). Op.cit., p. 98-99.
(6). Bíblia de Estudo NVI, São Paulo: Editora Vida, 2003. p. 1868 (nota sobre At 9.5).
(7). BALL, Charles Ferguson. Op. cit. p. 64.
(8). LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2001. p. 504-506.
(9). STOTT, John. A Cruz de Cristo. São Paulo: Editora Vida, 1998. p. 325.
(10). BRUCE, F.F. Op. cit. p. 07.

Nenhum comentário: